Campanhas

Os três Cobras Fumantes de Montese

Em 14 de abril de 1944, durante uma patrulha nas proximidades do Montese, três soldados Geraldo Baêta da Cruz, então com 28 anos, natural de Entre Rios de Minas; Arlindo Lúcio da Silva, de 25, de São João del-Rei; e Geraldo Rodrigues de Souza, de 26, de Rio Preto, morreram como heróis na Itália, palco de uma das mais sangrentas batalhas do conflito com a participação da FEB

Integrantes de uma patrulha, os três pracinhas mineiros se viram frente a frente com uma companhia alemã inteira. Receberam ordens para se render, mas continuaram em combate “até o último cartucho”, como se diz na caserna. Metralhados em 14 de abril de 1945, receberam, em vez da vala comum, as honras especiais do exército alemão.

Admirado com a coragem e resistência dos mineiros, o comandante mandou enterrá-los em cova rasa e pôs uma cruz e uma placa com a inscrição: Drei brasilianische helden, que em bom português significa “três heróis brasileiros”. Acabada a guerra, eles foram trasladados para o cemitério de Pistóia, na Itália, e depois para o Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro.

Homenagem da ComCausa

Em 2015, a ComCausa realizou uma homenagem aos “Cobras Fumantes” da Baixada Fluminense na Câmara de Vereadores da cidade de Nova Iguaçu. A provocação foi a música “Smoking Snakes”, da banda Sabaton, que conta a história dos três soldados da Força Expedicionária Brasileira.

O fato é registrado aqui, no próprio BLOG, e já motivou livros, séries e filmes.

Explicando algumas contradições.

A questão que queremos abordar, que fique bem claro, não se trata de desmerecer ou duvidar dos méritos dos nossos soldados, pelo contrário, buscamos entender os fatos e tornar justo os personagens que estiveram envolvidos.

Vamos para alguns problemas:

O Coronel Adhemar Rivermar de Almeida, então Chefe da 3º Seção, do 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria registrou o que segue em seu livro: Montese – marco glorioso de uma trajetória:

O inimigo desencadeou uma terrível barragem de fogos de Infantaria e Artilharia entre as encostas Sul de Montese, e suas orlas Leste e a base de partida (Montaurígola), conseguindo deter a ação do Pelotão Ary Rauen, que seu heroico comandante ferido mortalmente na cabeça, quando tentava neutralizar uma incômoda “lurdinha” que barrava o avanço de seu pelotão causando grande baixas em seu efetivo, cujos remanescentes ficaram detidos, sem se moverem, em meio a terrível campo minado

Tomando conhecimento das pesadas baixas ocorridas naquele Pelotão, o Dr. Yvon, acompanhado do Tenente Ary, de padioleiros e do 1º Sargento Alfeu, sargenteante de minha Companhia e que se apresentara como voluntário, iniciaram a sua longa e perigosa caminhada, cortada de campos minados e varrida incessantemente pelo fogo alemão, em busca de elementos daqueles elementos, até alcançar estreita e rala ravina, entre Motaurígola e faldas de Montese, quando foram também detidos por fortes rajadas de “lurdinhas”, morteiros e artilharia.

Logo explodiu uma granada sobre o padioleiro Geraldo Baeta da Cruz, de nossa seção de saúde, que morreu no mesmo instante. (ADHEMAR, 1985, pag. 146).

Nos registros de embarque da FEB, consta o soldado Geraldo Baeta como padioleiro, integrante do Seção de Saúde do 11º Regimento de Infantaria, o que reforça a tese de que ele estaria, conforme relato do Coronel Adhemar, indo em direção ao socorro do pelotão do Tenente Rauen. Outra evidência, é que o militar foi agraciado com a Medalha de Cruz de Combate de 2ª Classe, mérito de bravura em combate (coletivo), diferentemente do Arlindo Lúcio da Silva, recebendo o Cruz de Combate de 1ª Classe, mérito de bravura em combate (individual). Se eles participaram da mesma ação, quais os motivos da diferença nas honrarias?

Sobre o Geraldo Rodrigues de Souza, o interessante é que o local da morte do soldado é identificado como Natalina e não Montese, como os demais.

Classe 1919. 11º Regimento de Infantaria. Embarcou para além-mar 20 de setembro de 1944. Natural do Estado de Minas Gerais, filho de Josino Rodrigues de Souza e Maria Joana de Jesus, residente à rua Cajurú nº 4, Serra Azul, SP. Faleceu em ação no dia 14 de abril de 1945, em Natalina [crivo nosso], Itália, e foi sepultado no Cemitério Militar brasileiro de Pistóia, na quadra B, fileira 9, sepultura nº 98, marca: lenho provisório.

Sobre o Arlindo, temos o relato do Decreto que lhe concedeu a medalha:

“Foi agraciado com as Medalhas de Campanha, Sangue do Brasil de Combate de 1ª Classe. No decreto que lhe concedeu esta última condecoração, lê-se: No dia 14 de abril, no ataque a Montese, seu Pelotão foi detido por violenta harragem de morteiros inimigos, enquanto uma Metralhadora alemã, hostilizava violentamente o seu flanco esquerdo, obrigando os atacantes a se manterem se manterem colados ao solo. O Soldado Arlindo, atirador de F.A, num gesto de grande bravura e desprendimento, levanta-se, localiza a resistência inimiga e sobre ela despeja seis carregadores de sua arma, obrigando-a a calar-se nessa ocasião, é morto por um franco-atirador inimigo”. (Decreto de Concessão da Medalha)

Os detalhes da descrição da ação não se referem a três soldados lutando bravamente por suas vidas em combate contra uma Companhia, se referem a um ataque sobre um ponto fortificado e, com testemunhas dos fatos, que relataram posteriormente.

Por mais surpreendente que seja, outro acontecimento idêntico como o relato dos três soldados brasileiros mortos em Montese. Em janeiro daquele mesmo ano, uma cruz fora encontrada durante o avanço brasileiro, com fantástica similaridade. Portanto, as covas de Montese não seriam as únicas a guardar os corpos de bravos brasileiros que foram honrados pelo inimigo. Assim registra Joaquim Xavier da Silveira em seu livro A FEB por um Soldado:

Ao conquistarem Castelnuovo, as tropas de depararam com um testemunho da coragem do soldado brasileiro. Desde janeiro, três soldados do Regimento Sampaio figuravam na lista dos desaparecidos em combate: Cabo José Graciliano Carneiro da Silva, Soldado Clóvis Paes de Castro e Aristides José da Silva. Em Castelnuovo havia uma tosca cruz de madeira com a dística em alemão: 3 Tapfere – Brasil– 24.01.1945 (Três bravos – Brasil – 24.01.1944). Essa singular homenagem feita pelo inimigo é uma eloquente demonstração da coragem do soldado brasileiro. (SILVEIRA, 2001, pag. 177)

Ocorreu o fato dos três heróis brasileiros em Montese?

Pelo relato oral dos integrantes do 11º RI, não há dúvidas sobre o fato ocorrido em Montese, contudo, não podemos afirmar de forma concludente que os personagens envolvidos no fato são aqueles consagrados pela historiografia militar. Novamente, isso não tira o mérito do sacrifício dos militares do Regimento Tiradentes mortos, seja no caso da patrulha perdida; seja em outras condições de morte violenta.

O importante seria para a História Militar Brasileira a análise dos acontecimentos e a busca por respostas; ou confirmando o nome dos bravos soldados que morreram naquele confronto, sendo sepultados por seus inimigos, ou trazendo a justiça histórica para aqueles que efetivamente estiveram nessa ação de bravura.

Trata-se de um único episódio Montese /Castelnuovo?

Como anteriormente citado, não há dúvida que trata-se de acontecimentos distintos. Contudo, é necessário que possamos expor evidências que não possibilite margem para debates e interpretações histórica erradas sobre os acontecimentos, objetivando que futuras gerações tenha a possibilidade de vivenciar a clareza histórica do passado de nosso Brasil e saber quem são seus heróis.

Quem foram os três heróis brasileiros em Montese?

De certo que há dúvidas bibliográficas levantadas sobre quem foram os três brasileiros que morreram conforme a descrição relatada do episódio: “Os três Heróis Brasileiros”. O que na prática deverá despertar o interesse de pesquisadores e de pessoas e instituições que possam financiar essas pesquisas para trazer para luz a verdade histórica sobre o fato. Os nomes desses bravos soldados brasileiros devem ser registrados de forma justa, seja os três mineiros atualmente apontado como protagonistas, ou outros que por ventura a História revele de forma inquestionável.

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.”

| Editoria Virtuo Comunicação

João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa