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Luto Parental: Um caminho doloroso de superação

O luto parental é uma das experiências mais devastadoras e desafiadoras que uma pessoa pode enfrentar. A perda de um filho ou filha, independentemente da idade, provoca um impacto emocional profundo, afetando não apenas os pais, mas também toda a estrutura familiar e social ao redor.

Nesse contexto, o apoio é essencial para que os pais possam encontrar maneiras de continuar após uma perda tão avassaladora. No entanto, um dos maiores obstáculos enfrentados por essas famílias é a falta de sensibilidade de muitos, principalmente de agentes públicos que deveriam atuar nesses casos. Vivenciado de forma diferente por cada pessoa, o luto parental é um processo único, não existe uma fórmula para superá-lo. A perda de um filho ou filha geralmente leva a um período de choque, seguido por profunda tristeza e, muitas vezes, revolta. A sensação de impotência e vazio é constante, pois a ordem natural da vida é interrompida, deixando os pais em um caminho doloroso e desestruturado. 

O apoio durante o luto parental é fundamental para que os pais enlutados encontrem caminhos para a resiliência. Redes de apoio, sejam familiares, amigos, instituições ou grupos especializados, validam a dor e oferecem um espaço seguro para a expressão do sofrimento. Compartilhar experiências com quem passou por situações semelhantes ajuda a criar um ambiente acolhedor, onde o isolamento emocional é reduzido e o processo de cura é promovido. 

Um exemplo é a história de Márcia Noleto, que perdeu sua filha Mariana em um acidente de helicóptero em 2011. A magnitude dessa dor transcende definições, pois não há um nome que descreva essa perda, refletindo o vazio e a incompreensão dessa experiência. Ela expressa de maneira tocante a dor indescritível do luto parental: 

“Quando um filho perde seus pais, fica órfão. Quando perdemos o marido/esposa, ficamos viúvos(as). Quando uma mãe perde seu filho, não há nome no dicionário que defina esta dor.” 

Após a trágica perda de sua filha, Márcia fundou o grupo “Mães Sem Nome”, que começou como uma página no Facebook para apoiar mães enlutadas. O grupo cresceu e hoje oferece acolhimento emocional e terapêutico. Com o apoio de psicólogas voluntárias, que prestam atendimento a preços acessíveis, e parcerias com instituições como a universidade IBMR, o grupo realiza reuniões regulares, onde as mães podem compartilhar suas histórias e encontrar apoio contínuo. 

Acolher da ComCausa 

O programa Acolher, da ComCausa, foi criado em resposta à necessidade de acompanhamento especializado para famílias que enfrentam a perda violenta de entes queridos, especialmente após eventos como a Chacina da Baixada, em 2005. A partir da experiência acumulada, a ComCausa desenvolveu um protocolo sistemático de acolhimento que serve de base para as ações do programa. 

O Acolher busca ir além do apoio imediato, focando no acompanhamento ativo e contínuo de cada caso, desde o momento da tragédia até a busca por justiça. O principal objetivo é garantir que as famílias sejam tratadas com respeito e dignidade, preservando a imagem dos familiares e das vítimas. A comunicação com a mídia é feita de maneira sensível e coerente, evitando a espetacularização da dor e garantindo visibilidade adequada ao caso, especialmente ao longo do tempo, quando muitos deles tendem a cair no esquecimento. 

Com o passar dos anos, a ComCausa percebeu a importância de continuar acompanhando essas famílias por um longo período. Existem casos que ocorreram há mais de 28 anos, e a organização ainda mantém contato próximo com os familiares, oferecendo suporte contínuo dentro das possibilidades. Esse acompanhamento prolongado é essencial para garantir que as famílias não sejam deixadas sozinhas e possam contar com o suporte necessário em todas as fases do luto e da luta por justiça. 

Além disso, o programa Acolher articula ações com as autoridades, movimentos sociais e a imprensa, assegurando que as vozes das famílias sejam ouvidas, que a verdade venha à tona e que a justiça seja alcançada. Casos como o da bebê Maria Sofia, vítima de violência infantil, exemplificam a importância deste acompanhamento e a promoção da reflexão sobre como o caso ocorreu, provocando as autoridades a tomarem medidas para evitar tragédias futuras. 

Insensibilidade dos Agentes Públicos 

No decorrer da experiência da ComCausa, tornou-se evidente a necessidade de debater a insensibilidade de muitos agentes públicos que deveriam oferecer apoio em momentos tão delicados. Durante o processo de luto, muitas famílias relatam a falta de sensibilidade de profissionais que deveriam prestar suporte. Desde a burocracia no atendimento inicial até a falta de preparo para lidar com o luto, a experiência das famílias é agravada por atitudes desumanas e, em alguns casos, negligentes por parte desses agentes. 

Lamentavelmente, é comum que as famílias enfrentem dificuldades para obter apoio institucional em áreas como saúde, segurança pública ou justiça. A ausência de preparo e empatia desses profissionais torna o processo ainda mais traumático, forçando as famílias a buscarem apoio por conta própria, muitas vezes em grupos ou organizações independentes. Abordar essa questão é crucial para melhorar a resposta das instituições e oferecer um tratamento mais empático e eficiente às famílias enlutadas. 

Caminhos para a Resiliência 

Embora a dor da perda nunca desapareça completamente, muitos pais encontram maneiras de transformar o luto em ação. Alguns criam projetos de memória para seus filhos, enquanto outros dedicam-se a apoiar famílias que enfrentam situações semelhantes. Nesse contexto, a resiliência não significa a ausência de dor, mas sim a capacidade de seguir em frente, honrando a memória do filho e buscando novos significados para a vida. 

O luto parental é uma jornada repleta de desafios imensos, muitas vezes agravada pela falta de sensibilidade de agentes públicos, que deveriam agir de maneira mais humana e solidária. No entanto, iniciativas como o grupo “Mães Sem Nome” e o programa Acolher, da ComCausa, oferecem uma rede essencial de apoio, permitindo que as famílias enlutadas encontrem, aos poucos, maneiras de ressignificar suas perdas e continuar lutando por justiça. 

Imagem de capa: Pai e avó da bebê Maria Sofia.

Veja também:

Mães Sem Nome: Transformando a dor do luto em uma missão de acolhimento e justiça

ComCausa participará do encontro Reescrevendo Lutos 

Editoria Virtuo Comunicação

Projeto Comunicando ComCausa

Portal C3 | Instagram C3 Oficial

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa