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O país do futebol que matou Eliza Samudio “A Vítima Invisível”

“A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio”. A Netflix lançou um documentário impactante, que emociona, revolta e traz à tona uma história macabra e cruel, contada por meio de depoimentos de pessoas diretamente envolvidas. O documentário revela uma verdade dolorosa: ao contrário das acusações de que Eliza queria apenas aparecer, seus gritos eram, na realidade, um pedido desesperado de socorro.

Eliza, como tantas outras mulheres, buscou a justiça várias vezes para denunciar as agressões de Bruno, o goleiro que, à época, era uma estrela do futebol. No entanto, o que ela encontrou foi indiferença e desconfiança. Uma juíza, inclusive, negou a ela uma medida protetiva, o que poderia ter salvado sua vida. Sua luta foi transformada em um espetáculo, onde sua vida e dignidade foram questionadas, e ninguém a via como a verdadeira vítima de um homem monstruoso.

O fato da juíza ter negado proteção a Eliza gerou mudanças na Lei Maria da Penha, embora não tenha mudado diretamente o texto, ele teve um impacto profundo na forma como a lei começou a ser aplicada no Brasil. O caso expôs falhas no sistema de proteção às mulheres e pressionou as autoridades a levarem mais a sério as denúncias de violência doméstica. A tragédia de Eliza se tornou um símbolo da urgência de proteger mulheres em situação de vulnerabilidade, e seu legado continua a influenciar debates sobre a violência de gênero no país.

Infelizmente, o futebol ainda transforma jogadores em heróis intocáveis. A briga de Eliza deixou de ser apenas contra Bruno; ela passou a enfrentar boa parte da torcida do Flamengo, que, tomada pela paixão cega, a rotulou cruelmente de prostituta, Maria Chuteira, interesseira — termos comuns em uma sociedade machista que se recusa a ver a vítima como tal.

No documentário, cada depoimento é uma prova de sua luta: ela relatou detalhadamente todos os abusos e agressões que sofreu. E, no fim, Eliza se tornou mais uma vítima de um país que registra 1,4 feminicídios para cada grupo de 100 mil mulheres.

O caso de Eliza foi um ponto de extrema brutalidade, mas, mesmo hoje, continuamos a ver jogadores agredindo mulheres, traindo, explorando e violentando sexualmente, enquanto são celebrados como heróis. É urgente que a formação dos jogadores nas categorias de base passe por uma profunda mudança. Casos como o de Bruno, Cuca, Robinho, Daniel Alves e tantos outros não podem mais se repetir em um esporte que desperta tanta paixão.

Somos o país do futebol, mas também o país que mata “Elizas” todos os dias. Quando ignoramos os sinais, os pedidos de socorro, e permanecemos indiferentes às atitudes de atletas que tratam mulheres como objetos de prazer, perpetuamos essa violência.

Eliza Samudio é uma mártir ainda silenciada. Afinal, os “Brunos” continuam em campo, e as “Elizas” continuam sendo ignoradas. No Brasil onde uma mulher é assassinada a cada 6 horas.

O fato de o corpo de Eliza nunca ter sido encontrado é profundamente simbólico. Ele representa a invisibilização dos corpos femininos, que muitas vezes são reduzidos a meros objetos de prazer e submissão. Quando as mulheres não atendem a esses papéis esperados pela sociedade patriarcal, tornam-se descartáveis. São sujeitas à tortura, assassinato e ocultação, até que, se tornem invisíveis. Essa invisibilidade reflete a forma como o machismo trata as mulheres como seres cuja existência só é validada pela satisfação dos desejos masculinos. Quando rejeitam esse papel, suas vidas, histórias e corpos são brutalmente apagados e nunca encontrado.

Por João Oscar – Militante político e articulador da Instituição ComCasua de Direitos Humanos

Relembre o caso:

O caso Eliza Samudio: uma tragédia que marcou o Brasil

Editoria Virtuo Comunicação

Projeto Comunicando ComCausa

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João Oscar

João Oscar é jornalista militante de direitos humanos da Baixada e colaborador da ComCausa