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Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa: 17 anos de luta contra a intolerância

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa foi criada em 2008, como uma reação aos graves casos de intolerância religiosa no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. Naquele ano, praticantes de religiões de matriz africana foram brutalmente expulsos de suas comunidades pelo traficante Fernandinho Guarabu, que controlava o tráfico na região. Eles foram proibidos de usar vestimentas e acessórios religiosos, em um ataque direto às suas tradições espirituais e culturais.

Esse episódio desencadeou uma grande mobilização para combater a intolerância religiosa e promover a liberdade de culto. Diversas manifestações, protagonizadas por pessoas de diferentes crenças, defensores da diversidade e membros de movimentos sociais, culminaram na criação de um evento anual que celebra a tolerância, igualdade e pluralidade religiosa. Assim, a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa se consolidou como o maior encontro inter-religioso do Brasil.

Realizada tradicionalmente no terceiro domingo de setembro, a caminhada tem início no Posto 5 da Orla de Copacabana. Organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), tornou-se uma ação simbólica em defesa da liberdade religiosa e do Estado laico, com grande relevância no Rio de Janeiro. Além da Caminhada, foi criada a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), uma importante ferramenta de apoio e denúncia contra crimes de intolerância.

Contexto histórico e desafios atuais

A intolerância religiosa e o racismo continuam sendo desafios sociais e políticos significativos, especialmente no que diz respeito à proteção do Estado Democrático. Historicamente, o racismo e a perseguição religiosa foram usados para justificar a colonização de povos africanos e sua subsequente escravização nas Américas, com grande impacto no Brasil.

O Estado brasileiro também sempre imprimiu nas religiões de matriz africana um alvo de racismo. Durante o Estado Novo (1937-1945), essas religiões foram duramente reprimidas pela ditadura de Getúlio Vargas, sendo tratadas como práticas criminosas e subversivas. A polícia invadia terreiros, confiscava objetos sagrados e prendia praticantes, deixando marcas que perpetuaram o estigma e o preconceito contra as religiões afro-brasileiras.

Um exemplo dessa repressão é a chamada “Coleção da Magia Negra”, composta por objetos apreendidos pela Polícia Civil no Rio de Janeiro. Em agosto de 2020, após quase cem anos sob a tutela da instituição, as 523 peças do acervo foram transferidas para o Museu da República, no Catete. Entre elas, um conjunto de anéis que pode ajudar a reconstituir linhagens antigas da umbanda e do candomblé carioca.

Somente em 2023, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) oficializou a mudança de nomenclatura do acervo, antes denominado “Museu da Magia Negra”, para “Acervo Nosso Sagrado”. A decisão envolveu lideranças religiosas e instituições públicas, destacando a preservação das tradições de matriz africana.

Perseguição dos “narcopentecostais”

Nos últimos anos, uma nova forma de repressão religiosa surgiu, fruto da evangelização por igrejas neopentecostais junto ao narcotráfico no Rio de Janeiro, especialmente em presídios. Criminosos passaram a reprimir praticantes de religiões de matriz africana e impor restrições a cultos católicos. Isso é particularmente evidente na área conhecida como Complexo de Israel, na Zona Norte do Rio.

Até mesmo festas juninas, associadas a paróquias católicas, têm sido alvo de repressão por grupos armados, chamados “bandidos de Deus”, que determinam quem pode ou não celebrar esses eventos, configurando uma nova forma de intolerância religiosa e social.

Relatório e avaliação da intolerância religiosa

Em 2023, o CEAP, em parceria com a CCIR e com apoio da UNESCO, lançou o II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. O documento revelou um aumento expressivo nos casos de intolerância religiosa no Brasil. Em 2024, os casos aumentaram mais de 80% apenas no primeiro semestre, com a maioria das vítimas sendo mulheres negras. As formas mais comuns de violência foram discriminação, depredação de templos e difamação, com candomblé e umbanda como as religiões mais visadas.

Uma mobilização necessária

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é um símbolo de resistência e esperança diante da intolerância e do preconceito. Ao longo de seus 17 anos, tanto a Caminhada quanto a CCIR desempenham papéis cruciais na promoção da tolerância e na defesa dos direitos de todas as religiões e comunidades. A luta pela liberdade religiosa e pelo respeito à diversidade é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Este ano, a ComCausa planeja uma participação ampliada, promovendo uma semana de caminhada com conteúdos em suas redes sociais e matérias no reflexões no Portal C3 para refletir sobre a intolerância religiosa e estimular medidas jurídicas contra essa discriminação.

A 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, organizada pela CCIR e o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), acontecerá no terceiro domingo de setembro, dia 15, e pretende reunir cerca de 100 mil pessoas. A concentração será no Posto 5 da Praia de Copacabana, com apresentações culturais e falas de representantes religiosos ao longo do trajeto, das 10h às 17h.

Serviço:

  • Evento: 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa
  • Data: 15 de setembro
  • Horário: Das 10h às 17h
  • Local: Concentração no Posto 5, Praia de Copacabana

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa