Na manhã do dia 1º de fevereiro de 2020, no município de Itaperuna, localizado no Noroeste Fluminense, o menino João Pedro Donadio, de 11 anos, acompanhava sua mãe, Eliane Amancio de Melo, em uma loja de roupas situada na Avenida Cardoso Moreira — principal via comercial da cidade. Durante a breve permanência no estabelecimento, segundo Eliane, o garoto encostou em uma arara metálica e recebeu uma forte descarga elétrica.
A mãe do menino relatou que a passagem pela loja foi extremamente rápida. “A gente ficou no máximo seis minutos lá dentro. Nos dois primeiros, enquanto eu conversava com uma das vendedoras, meu filho caiu. Nos quatro seguintes, fiquei sozinha, desesperada, gritando por socorro”, disse. “Não deu tempo de experimentar nada. Só entrei e, em poucos minutos, ele já estava no chão.”
João Pedro foi socorrido e levado ao Hospital São José do Avaí com sinais de parada cardíaca. Apesar dos esforços da equipe médica, permaneceu internado em estado grave e faleceu na madrugada do dia 4 de fevereiro.
Laudos apontam falha elétrica
De acordo com o laudo de necropsia emitido pelo Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi eletrocussão. Um segundo parecer técnico, elaborado por um engenheiro eletricista, apontou que a fiação da loja encontrava-se em condições precárias, com fios desencapados e alto risco de acidentes.
Familiares da vítima reforçam que os documentos periciais confirmam a presença de lesões compatíveis com queimaduras por choque elétrico, além de graves irregularidades nas instalações elétricas do estabelecimento comercial.
Responsabilização judicial
Diante dos elementos apurados, a proprietária da loja foi denunciada por homicídio culposo — quando não há intenção de matar. No entanto, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso, solicitando a reclassificação do crime para dolo eventual, quando alguém assume o risco de causar um resultado, mesmo que não seja a intenção direta. Com a realização de julgamento pelo Tribunal do Júri. O MP sustenta que houve omissão de socorro e que a empresária tinha plena consciência do risco oferecido pelas instalações elétricas da loja.
As audiências já foram realizadas, mas a proprietária da loja solicitou a realização de uma nova perícia, desta vez com um perito particular de sua confiança, após a loja ter passado por reformas. Uma nova audiência está prevista para ocorrer em agosto deste ano.
Mãe pode ser condenada a pagar indenização para loja que filho morreu
Desde a morte de João Pedro, Eliane vem utilizando suas redes sociais como espaço de denúncia e mobilização. Suas publicações impulsionaram uma onda de solidariedade em Itaperuna e deram origem a manifestações públicas. A repercussão, no entanto, levou a loja a mover a ação judicial contra a mãe, sob alegação de difamação. Inicialmente arquivado em 2023, o processo foi reaberto por solicitação da empresa.
Cinco anos depois da tragédia, a Justiça decidiu intimar Eliane Amancio, mãe de João Pedro, ao pagamento de R$ 386 mil por danos morais à loja onde ocorreu o incidente. A decisão, assinada pelo juiz Maurício dos Santos Garcia, da 2ª Vara Cível de Itaperuna, se baseou na alegação de que postagens feitas por Eliane nas redes sociais, denunciando a negligência do estabelecimento, teriam prejudicado a imagem comercial da empresa e afastado clientes.
A sentença gerou forte reação de familiares e amigos que denunciaram o caso como mais um exemplo de revitimização de mães em luto. A defesa de Eliane recorreu da decisão, alegando que a condenação representa um atentado à liberdade de expressão e à dignidade de uma mulher que busca justiça após a perda do filho.
Após ser acionada, e diante da situação, a ComCausa anunciou que acompanhará o caso. Em nota, a instituição manifestou solidariedade à mãe e a família de João Pedro e condenou o que classificou como tentativa de silenciamento e penalização de quem denuncia violações e cobra justiça.
Nota da ComCausa
“A ComCausa manifesta profunda solidariedade à mãe Eliane Amancio de Melo, que, além de perder seu filho de forma trágica, agora enfrenta uma condenação que penaliza sua dor e seu clamor por justiça. O direito à manifestação pública diante de uma perda irreparável deve ser garantido, sobretudo quando se trata de uma denúncia legítima contra negligência que resultou na morte de uma criança.
Reafirmamos nosso compromisso com a defesa da vida, com a justiça e com a dignidade das famílias vítimas de violações de direitos. Casos como este nos lembram da importância de fortalecer o amparo jurídico e psicológico as mães e pais que lutam por memória e responsabilização.”
Mobilização em memória de João Pedro
Um ato público está sendo organizado por familiares e moradores para o dia 26 de abril, com concentração às 9h no Calçadão de Itaperuna, em frente ao Shopping do Pão. A caminhada seguirá até o semáforo em frente ao Banco do Brasil, nas imediações da loja envolvida. O objetivo da mobilização é homenagear João Pedro, protestar contra a condenação da mãe e reafirmar a luta por justiça.
Linha do tempo do caso João Pedro Donadio
- 1º de fevereiro de 2020 – Durante visita à loja, João Pedro sofre parada cardíaca após contato com estrutura metálica energizada. É levado ao hospital em estado grave.
- 2 e 3 de fevereiro de 2020 – Criança permanece internada na UTI. Laudos identificam queimaduras, e peritos apontam más condições elétricas no local.
- 4 de fevereiro de 2020 – João Pedro morre. O caso comove a cidade, que já vivia luto por outro acidente fatal ocorrido no mesmo fim de semana.
- Fevereiro a março de 2020 – Polícia instaura inquérito. Ministério Público denuncia a dona da loja por homicídio culposo e solicita reclassificação para homicídio doloso com dolo eventual.
- 2023 – A loja move ação contra a mãe de João Pedro. Processo é inicialmente arquivado, mas posteriormente reaberto.
- Abril de 2025 – Justiça condena Eliane Amancio a pagar R$ 386 mil por danos morais à loja. A defesa recorre da sentença.
Situação atual
Enquanto a ação criminal contra a proprietária da loja segue em trâmite, com o Ministério Público buscando maior rigor na responsabilização, a ação cível contra Eliane Amancio se encontra em fase de recurso. O desfecho do caso é aguardado com grande expectativa por familiares, ativistas e membros da comunidade de Itaperuna, que seguem mobilizados em defesa da memória de João Pedro e do direito à justiça.
Imagem de capa rede social.
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