O Papa Francisco, líder supremo da Igreja Católica, faleceu aos 88 anos na madrugada desta segunda-feira (21 de abril), em sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano, em Roma. A informação foi confirmada pelo cardeal Kevin Farrell, que destacou a serenidade do pontífice em seus últimos momentos. Francisco lutava contra complicações respiratórias decorrentes de uma pneumonia dupla, que o manteve internado por cerca de 40 dias antes de seu falecimento.
Nos dias que antecederam sua morte, o Papa Francisco ainda demonstrava resiliência. No sábado (19 de abril), apareceu publicamente na Basílica de São Pedro, e no Domingo de Páscoa (20 de abril), abençoou milhares de fiéis na Praça de São Pedro. Em seu último discurso, fez um apelo emocionado: “Peço aos responsáveis políticos que não cedam à lógica do medo, mas usem os recursos para ajudar os necessitados, combater a fome e promover o desenvolvimento”. Suas palavras ecoaram como um testamento de seu compromisso com os mais vulneráveis.
O histórico de saúde do pontífice sempre foi delicado. Desde a juventude, enfrentou problemas respiratórios — chegou a ter parte de um pulmão removido —, e nos últimos anos, crises de bronquite e dores crônicas no joelho limitaram suas atividades. Em fevereiro de 2025, foi internado novamente devido a um grave quadro de bronquite, exigindo transfusões de sangue. Apesar dos esforços médicos, as complicações infecciosas foram irreversíveis.
Trajetória: do subúrbio de Buenos Aires ao Vaticano
Nascido Jorge Mario Bergoglio em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, na Argentina, Francisco era filho de imigrantes italianos. Formado em química, abandonou a carreira científica aos 20 anos para ingressar no seminário da Companhia de Jesus. Ordenado sacerdote em 1969, destacou-se por seu trabalho nas periferias argentinas durante a crise econômica de 2001, onde ganhou o apelido de “bispo dos pobres”.
Sua ascensão na hierarquia católica foi marcante: tornou-se arcebispo de Buenos Aires em 1998, cardeal em 2001 e, em 2013, foi eleito o primeiro papa latino-americano da história, sucedendo Bento XVI após sua renúncia. Adotou o nome Francisco em homenagem a São Francisco de Assis, símbolo da humildade e da conexão com a natureza.
Legado de reformas e desafios
Francisco será lembrado como um líder progressista que desafiou tradições seculares. Promoveu diálogo com grupos marginalizados, incluindo a comunidade LGBTQ+, e em 2025, o Vaticano aprovou diretrizes permitindo a entrada de homens gays em seminários, desde que vivessem em castidade. Também enfrentou escândalos de abuso sexual na Igreja com firmeza, reunindo-se pessoalmente com vítimas em Portugal em 2023 e criticando a omissão de líderes religiosos.
Sua encíclica Laudato Si’ (2015) tornou-se um marco na defesa do meio ambiente, enquanto Fratelli Tutti (2020) reforçou seu chamado à fraternidade global. Apesar das críticas de setores conservadores, sua abordagem pastoral — marcada por gestos como lavar os pés de presidiários e abraçar refugiados — conquistou o coração de milhões.
Reações globais e sucessão
Líderes mundiais lamentaram a perda. O presidente argentino Javier Milei decretou três dias de luto nacional, lembrando o trabalho de Bergoglio nas favelas de Buenos Aires. Joe Biden, presidente dos EUA, classificou-o como “uma luz em tempos sombrios”, e António Guterres, secretário-geral da ONU, destacou sua “incansável busca pela paz”.
O Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, líder ortodoxo, chamou-o de “irmão que ensinou a ver Deus nos pequenos”. Enquanto isso, o Vaticano prepara o velório na Basílica de São Pedro, com um funeral que promete reunir multidões. O conclave para eleger seu sucessor ocorrerá em até 20 dias, em meio a expectativas sobre o futuro de uma Igreja dividida entre reformas e tradição.
Um pontificado para a história
Francisco deixa um legado de compaixão e coragem. Sua vida, dedicada aos excluídos, e sua morte, cercada pelo mesmo silêncio humilde que marcou seu papado, consolidam-no como um dos papas mais influentes da era moderna. Como ele mesmo disse: “A verdadeira força não está no poder, mas no serviço”. Seu chamado para “construir pontes” seguirá como desafio para um mundo em busca de esperança.
Líderes mundiais lamentam a morte do Papa Francisco, nesta segunda-feira (21). O pontífice morreu na madrugada desta segunda-feira (21), às 2h35 – 7h35, no horário do Vaticano.
Argentina
O presidente da Argentina, Javier Milei, encontra-se com o Papa Francisco no Vaticano em 11 de fevereiro de 2024.
O presidente Argentino, Javier Milei, publicou uma nota de pesar em uma rede social dizendo ter recebido a notícia da morte de Francisco com profunda tristeza.
“Foi com profunda tristeza que soube nesta triste manhã que o Papa Francisco, Jorge Bergoglio, faleceu hoje e agora descansa em paz. Apesar das diferenças que hoje parecem pequenas, ter podido conhecê-lo em sua bondade e sabedoria foi uma verdadeira honra para mim. Como Presidente, como argentino e, fundamentalmente, como homem de fé, despeço-me do Santo Padre e estou ao lado de todos nós que hoje lidamos com esta triste notícia”, escreveu o mandatário.
Presidente da Argentina, Javier Milei, lamenta a morte do primeiro papa Argentino.
Brasil
Em nota, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que “a humanidade perde uma voz de respeito e acolhimento ao próximo” e citou a atuação do papa à frente da Igreja Católica.
Lula decretou luto oficial de sete dias no Brasil pela morte do papa.
“Com sua simplicidade, coragem e empatia, Francisco trouxe ao Vaticano o tema das mudanças climáticas. Criticou vigorosamente os modelos econômicos que levaram a humanidade a produzir tantas injustiças. Mostrou que esse mesmo modelo é que gera desigualdade entre países e pessoas. E sempre se colocou ao lado daqueles que mais precisam: os pobres, os refugiados, os jovens, os idosos e as vítimas das guerras e de todas as formas de preconceito.”
Nota de pesar do presidente Lula pela morte do papa Francisco
França
Papa Francisco em encontro com o presidente francês Emmanuel Macron na sexta-feira (26) — Foto: Vatican Media/Handout via REUTERS
O presidente da França, Emmanuel Macron, relembrou a trajetória do pontífice.
“De Buenos Aires a Roma, o Papa Francisco quis que a Igreja levasse alegria e esperança, especialmente aos mais pobres. Que ela trabalhasse pela união entre os Homens, e entre a humanidade e a natureza. Que essa esperança continue a renascer, para além dele.
A todos os católicos, e ao mundo enlutado, dirigimos, com minha esposa, os nossos mais sinceros pensamentos”, disse em postagem.
O presidente francês, Emmanuel Macron, também publicou sua homenagem ao papa Francisco.
Alemanha
O próximo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, disse nesta segunda que o papa foi “guiado pela humildade e pela fé na misericórdia de Deus”.
“A morte do Papa Francisco me enche de grande tristeza. Francisco será lembrado por seu compromisso incansável com os mais fracos da sociedade, com a justiça e a reconciliação. A humildade e a fé na misericórdia de Deus o guiaram. Dessa forma, o primeiro latino-americano na Santa Sé tocou pessoas no mundo todo e além das fronteiras religiosas. Meus pensamentos neste momento estão com os fiéis do mundo inteiro que perderam seu Santo Padre. Que ele descanse em paz.”
O próximo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, lamentou em seu perfil no X (antigo Twitter) a morte de Francisco —
Inglaterra
Papa Francisco recebe Rei Charles III e a Rainha Camilla, do Reino Unido, no Vaticano
O rei da Inglaterra, Chales III, que encontrou com o papa após a sua alta hospitalar comentou sua reação ao saber do falecimento de Francisco.
“Minha esposa e eu ficamos profundamente entristecidos ao saber da morte do papa francisco”, disse.
União Europeia
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também comentou o falecimento.
“Hoje, o mundo lamenta a morte do Papa Francisco. Ele inspirou milhões, muito além da Igreja Católica, com sua humildade e amor tão puro pelos menos favorecidos. Meus pensamentos estão com todos que sentem essa perda profunda. Que encontrem consolo na ideia de que o Papa Francisco”, disse.
A presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, publicou uma foto com o papa Francisco
Itália
Já a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, o chamou de “grande pastor”.
“A morte do papa nos deixa profundamente tristes, ele foi um grande homem e um grande pastor”, afirmou.
Estados Unidos
Papa Francisco se encontra com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, no Vaticano.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou em uma rede social uma breve mensagem sobre o papa: “descanse em paz papa Francisco. Que Deus abençoe ele e a todos que o amavam”.
Já o vice-presidente americano, JD Vance, também prestou suas homenagens e comentou sobre o estado dele em seu último dia. Vance esteve com o pontífice no domingo (20), antes das celebrações de páscoa.
“Acabei de saber do falecimento do papa Francisco. meu coração está com os milhões de cristãos ao redor do mundo que o amavam”, afirmou. “Fiquei feliz de ver o papa ontem, apesar de ele estar claramente muito doente”.
A perfil da Casa Branca no X também postou uma foto em homenagem ao pontífice.
Autoridade Palestina
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, prestou homenagens ao papa Francisco, que faleceu nesta segunda-feira (21), a quem descreveu como “um amigo fiel do povo palestino”, segundo a agência de notícias oficial Wafa.
“Perdemos no dia de hoje um amigo fiel do povo palestino”, escreveu Abbas, destacando que o pontífice argentino “reconheceu o Estado palestino e autorizou que a bandeira palestina fosse hasteada no Vaticano”.
Israel
O Papa Francisco foi um homem de profunda fé, paz e compaixão, que promoveu laços com o mundo judaico, disse o presidente de Israel, Isaac Herzog, nesta segunda, em uma mensagem de condolências dirigida ao mundo cristão e às suas comunidades na Terra Santa.
“O falecido Papa Francisco foi um homem de grande fé e compaixão, que dedicou sua vida a servir os pobres ao redor do mundo e a defender a paz em um momento complexo e turbulento. Sua Santidade o Papa reconheceu a importância de aprofundar as relações com o mundo judaico e procurou promover o diálogo inter-religioso como um meio de alcançar compreensão e respeito mútuos”, escreveu no X (antigo Twitter).
Rússia
O presidente russo, Vladimir Putin, enviou suas condolências pelo falecimento do Papa Francisco ao cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Igreja Romana..
“Por favor, aceitem minhas mais sinceras condolências pelo falecimento de Sua Santidade, o Papa Francisco. Durante os anos de seu pontificado, ele promoveu ativamente o desenvolvimento do diálogo entre as Igrejas Ortodoxa Russa e Católica Romana, assim como a cooperação construtiva entre a Rússia e a Santa Sé. Nesta hora triste, gostaria de transmitir a você e a todo o clero católico minhas palavras de solidariedade e apoio”, disse Putin na mensagem.
Ucrânia
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, disse que “milhares de pessoas ao redor do mundo estão de luto” pela morte do papa.
“Ele sabia como dar esperança, aliviar o sofrimento por meio da oração e promover a unidade. Rezou pela paz na Ucrânia e pelos ucranianos. Lamentamos juntos os católicos e todos os cristãos que buscaram apoio espiritual no Papa Francisco. Memória eterna”, escreveu no X (antigo Twitter).
Suíça
A presidente da Suíça, Karin Keller-Sutter, chamou Francisco de um “grande líder esperitual”.
“O papa Francisco foi um grande líder espiritual, um incansável defensor da paz, seu legado permanecerá”, afirmou.
Índia
O primeiro-ministro Indiano, Narendra Modi, elencou as qualidades de Francisco.
“O Papa Francisco sempre será lembrado como um farol de compaixão, humildade e coragem espiritual por milhões ao redor do mundo”, disse. “Ele serviu diligentemente aos pobres e oprimidos. Para aqueles que estavam sofrendo, ele acendeu um espírito de esperança. Lembro com carinho das minhas reuniões com ele e fui profundamente inspirado pelo seu compromisso com o desenvolvimento inclusivo e integral. Seu carinho pelo povo da Índia será sempre valorizado. Que sua alma encontre paz eterna no abraço de Deus.”
Arcebispo de São Paulo
À Rádio 9 de julho, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, falou sobre o Papa Francisco.
“Nós nos unimos, então, à toda a Igreja, para rezar pelo Papa Francisco, recordando o que ele realizou durante esses 12 anos do seu Papado, e pedindo a Deus que o acolha, que o recompense por tudo que ele fez e significou para a Igreja nesses últimos anos”, afirmou.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio das redes sociais, lembrou que o pontífice dedicou toda a vida à Igreja e aos marginalizados.
“Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino”, diz nota.
Biografia do Papa Francisco
Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio em 17 de dezembro de 1936, é o 266º pontífice da Igreja Católica, eleito em março de 2013. Ele entrou para a história como o primeiro papa latino-americano, o primeiro jesuíta a ocupar o trono de São Pedro e o primeiro não europeu em mais de mil anos. Desde o início do seu pontificado, Francisco destacou-se pela humildade e proximidade com o povo, bem como por uma visão de Igreja voltada à simplicidade, à justiça social e aos mais pobres.
Filho de imigrantes italianos, Bergoglio cresceu em uma família modesta no bairro operário de Flores, em Buenos Aires. Na juventude, formou-se técnico em química, mas aos vinte anos descobriu sua vocação religiosa e decidiu tornar-se padre. Ele ingressou no seminário e depois na ordem dos jesuítas, sendo ordenado sacerdote em 1969. Ainda jovem padre, atuou como professor de literatura e psicologia e desenvolveu uma espiritualidade marcada pela simplicidade e pelo serviço. Vale lembrar que enfrentou um grave problema de saúde na adolescência, quando uma infecção respiratória levou à remoção de parte de um pulmão — episódio que reforçou sua fé e resiliência.
Em 1973, com apenas 36 anos, Bergoglio foi nomeado Provincial dos jesuítas na Argentina, liderando a ordem em um período turbulento marcado pela ditadura militar (1976-1983). Anos depois, após servir como reitor em um centro de formação jesuíta e aprofundar seus estudos teológicos, ele foi chamado ao episcopado: o papa João Paulo II nomeou Bergoglio bispo auxiliar de Buenos Aires em 1992. Seu talento pastoral e administrativo logo ficou evidente e, em 1998, ele tornou-se arcebispo de Buenos Aires e primaz da Argentina, sucedendo o cardeal Antonio Quarracino. Em 2001, foi criado cardeal por João Paulo II. Nessa fase, ganhou respeito por seu estilo de vida austero e dedicado aos pobres — viajava de transporte público, morava em um apartamento simples onde ele mesmo cozinhava e visitava com frequência as villas miséria (favelas) de Buenos Aires para estar próximo dos desfavorecidos. Durante a grave crise econômica argentina de 2001, o então cardeal Bergoglio emergiu como uma das principais vozes morais do país, criticando a desigualdade e defendendo os que mais sofriam.
A eleição de Bergoglio como Papa em 2013 deu-se em um contexto singular. Em fevereiro daquele ano, seu antecessor, Bento XVI, renunciara ao pontificado – um acontecimento quase sem precedentes na era moderna – abrindo caminho para um conclave que buscava renovação e reformas. Os cardeais eleitores procuravam alguém capaz de enfrentar os escândalos recentes e a burocracia pesada da Cúria Romana, além de reaproximar a Igreja dos fiéis. Após dois dias de deliberações, em 13 de março de 2013, Jorge Mario Bergoglio foi eleito, assumindo o nome de Francisco em homenagem a São Francisco de Assis – santo identificado com a humildade, a pobreza e o amor aos pobres. Na sua primeira aparição pública na sacada da Basílica de São Pedro, o novo papa surpreendeu o mundo com gestos de humildade: saudou a multidão com um simples “boa noite” e, antes de conceder a bênção tradicional, pediu que o povo rezasse por ele. Também chamou atenção por trajar apenas a batina branca, sem a capa vermelha e outros adornos luxuosos, evidenciando já naquele momento sua preferência por um estilo mais sóbrio e simples.
Desde os primeiros dias de pontificado, Francisco concretizou sua opção pela simplicidade. Em vez de ocupar os suntuosos aposentos papais no Palácio Apostólico, ele decidiu morar na Casa Santa Marta, a residência de hóspedes do Vaticano, onde vive em um apartamento modesto e toma as refeições no refeitório comum. O Papa dispensou boa parte das pompas tradicionais: manteve sua cruz peitoral de metal em vez de ouro, continuou a usar sapatos pretos comuns no lugar dos típicos sapatos vermelhos e preferiu vestes litúrgicas simples. Fiel a esse espírito, frequentemente é visto em veículos humildes, como carros compactos, evitando carros oficiais luxuosos. Simbolicamente, no dia seguinte à sua eleição, fez questão de voltar à hospedaria onde se alojara como cardeal e pagar pessoalmente a conta, um gesto que reforçou sua mensagem de humildade no comando da Igreja.
Francisco também adotou um estilo pastoral marcado pela proximidade e por gestos poderosos de empatia. Na primeira Quinta-Feira Santa após sua eleição, ele celebrou o ritual do lava-pés em um centro de detenção juvenil, lavando e beijando os pés de doze detentos – incluindo mulheres e muçulmanos –, num ato inédito para um papa, evidenciando sua disposição de servir a todos sem distinção. Ao longo de seu pontificado, é comum vê-lo abraçando doentes e pessoas com deficiência, consolando quem sofre e abençoando crianças, muitas vezes parando o papamóvel para saudar fiéis de maneira espontânea. O Papa não hesita em quebrar protocolos se for para estar mais próximo do povo: ele já telefonou pessoalmente para fiéis em dificuldade que lhe escreveram, oferecendo conforto, e costuma convidar grupos de pessoas marginalizadas, como moradores de rua, para eventos no Vaticano. Essa forma calorosa de se relacionar fez com que muitos o chamassem de “papa do povo”, reforçando sua imagem de líder acessível e compassivo.
Uma das metas centrais de Francisco tem sido reformar a Cúria Romana, o corpo administrativo do Vaticano, para torná-la mais transparente, eficiente e centrada no Evangelho. Pouco após assumir, ele formou um conselho consultivo de cardeais de várias partes do mundo para auxiliá-lo nas mudanças administrativas e na revisão da estrutura da Igreja. Determinado a moralizar as finanças vaticanas, o Papa encomendou auditorias, criou uma Secretaria para a Economia e interveio no Instituto para as Obras de Religião (o “Banco do Vaticano”), adotando medidas para prevenir lavagem de dinheiro e outras irregularidades. Em um memorável discurso de Natal em 2014 aos dirigentes da Cúria, Francisco enumerou francamente uma lista de “15 doenças” que poderiam afetar os eclesiásticos da Igreja – como a vaidade, a ambição de poder e a “esquizofrenia existencial” de viver uma vida dupla –, num chamado contundente à conversão e à humildade por parte dos altos prelados. Ao longo de seu governo, ele promoveu a fusão e reestruturação de diversos conselhos e congregações em novos dicastérios, e em 2022 promulgou a constituição apostólica Praedicate Evangelium, que consagrou oficialmente essas reformas, simplificando a Cúria e abrindo a possibilidade de leigos e mulheres ocuparem cargos antes reservados apenas a clérigos. Francisco também adotou tolerância zero com os abusos sexuais de menores no âmbito eclesial: criou uma comissão pontifícia para a proteção de menores, convocou em 2019 uma cúpula global de bispos para tratar do assunto e emitiu normas inéditas que permitem punir bispos e superiores negligentes ou cúmplices. Seu estilo de governança é direto e por vezes considerado pessoal demais – o próprio Papa já se autodefiniu como um homem impaciente que tende a decidir rapidamente – mas essa postura resoluta permitiu avanços concretos em questões que se arrastavam havia décadas.
O compromisso com a justiça social e com os pobres é talvez a marca mais evidente do pontificado de Francisco. Logo nos primeiros dias após sua eleição, ele declarou: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre para os pobres!”, deixando claro seu desejo de que a instituição priorize os marginalizados. O Papa argentino, tendo testemunhado as agruras dos menos favorecidos em seu próprio país, mostra-se contundente ao criticar a desigualdade e um sistema econômico que “mata” por excluir os mais vulneráveis. Em suas homilias e documentos, ele denuncia a “cultura do descarte” que abandona idosos, jovens sem emprego e outros grupos fragilizados, e clama por uma economia a serviço do ser humano. Sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium (2013), enfatizou a necessidade de a Igreja sair de si mesma e ir às periferias existenciais para levar solidariedade e esperança. Francisco também elevou a questão ambiental a tema central da missão religiosa: em 2015, publicou a encíclica Laudato Si’, um apelo veemente por uma “ecologia integral” conectando o cuidado da natureza à justiça social, lembrando que os pobres são os mais atingidos pela degradação ambiental. Além disso, instituiu a Jornada Mundial dos Pobres para fomentar ações concretas de solidariedade. E o próprio Francisco dá exemplo pessoal constantemente: ele já recebeu moradores de rua e refugiados no Vaticano — mandando instalar duchas e um posto médico para eles próximo à Praça de São Pedro — e celebra datas como seu aniversário junto de pessoas carentes. Essas iniciativas consolidaram sua imagem de “pontífice dos pobres”, comprometido em colocar os excluídos no centro da atenção da Igreja.
No tocante a temas polêmicos dentro e fora da Igreja, Francisco tem buscado uma abordagem de diálogo e misericórdia, sem romper com a doutrina tradicional. Ele convocou sínodos para debater questões sobre a família e, a partir dessas discussões, abriu a possibilidade para que católicos divorciados que se casaram novamente no civil possam, em certos casos, voltar a comungar após um período de discernimento e penitência. Essa novidade pastoral — expressa na exortação Amoris Laetitia (2016) — foi celebrada por muitos fiéis que se sentiam excluídos, mas também atraiu críticas severas de alas conservadoras, algumas chegando a acusá-lo de comprometer os ensinamentos da Igreja. Também em relação às pessoas LGBTQ+, Francisco imprimiu um tom de acolhida inédito: já em 2013, cunhou a frase “Quem sou eu para julgar?” ao referir-se a um homossexual crente em busca de Deus, sinalizando respeito à dignidade dessas pessoas. Embora reitere que o matrimônio sacramental é apenas entre homem e mulher, o Papa manifestou apoio à proteção legal de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, entendendo que elas merecem direitos e respeito. Em 2023, ele deu um passo além ao autorizar que sacerdotes, em contexto pastoral, ofereçam bênçãos a casais homoafetivos, desde que não se equipare tal bênção a um matrimônio — um gesto ousado recebido com esperança por uns e cautela por outros.
Sobre o aborto, Francisco manteve o posicionamento tradicional firme na defesa da vida desde a concepção. Ele não hesitou em condenar abertamente a prática, chegando a compará-la a “contratar um assassino de aluguel” para eliminar alguém indefeso. Ao mesmo tempo, tem sublinhado a importância da compaixão: estendeu a todos os sacerdotes a faculdade de absolver esse pecado, facilitando que mulheres arrependidas encontrem perdão e acolhimento na Igreja. No que diz respeito ao papel da mulher na Igreja, o Papa nomeou várias para cargos antes ocupados só por homens no Vaticano, como subsecretárias de dicastérios e consultoras, e permitiu pela primeira vez que mulheres tivessem direito a voto no Sínodo dos Bispos. Esses avanços sinalizam inclusão maior, mas Francisco não atendeu a pedidos de mudanças mais radicais, como a ordenação feminina ao sacerdócio, preferindo manter a tradição nesse aspecto. De modo geral, ele busca equilibrar a atualização pastoral da Igreja com a continuidade doutrinal, privilegiando a misericórdia e a inclusão sem abandonar os pilares da fé católica.
Na arena internacional, Papa Francisco tornou-se uma voz influente em prol da paz e da dignidade humana. Ele teve um papel importante na mediação do reatamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba em 2014, atuando discretamente nos bastidores para aproximar os dois países após décadas de tensão. Também se engajou em orações e apelos pela paz em conflitos sangrentos, como a guerra civil na Síria, e mais recentemente buscou mediar tensões na Ucrânia, oferecendo os bons ofícios da Santa Sé. Com governantes e autoridades globais, Francisco sustenta um diálogo franco porém respeitoso: ao receber chefes de Estado no Vaticano ou em encontros internacionais, ele aborda temas como justiça social, proteção do meio ambiente e acolhimento de migrantes. Em 2015, tornou-se o primeiro papa a discursar no Congresso dos Estados Unidos, ocasião em que defendeu causas como o combate à pobreza, o fim da pena de morte e o cuidado com a casa comum, mostrando sua disposição de falar das grandes questões humanitárias nos palcos políticos mais influentes. Francisco não teme criticar potências e interesses estabelecidos quando necessário – por exemplo, já denunciou vigorosamente a indústria armamentista e a “globalização da indiferença” diante do sofrimento dos refugiados –, mas procura sempre o caminho do diálogo e da diplomacia. Um episódio marcante de sua busca pela paz ocorreu em 2019: durante um retiro espiritual com líderes rivais do Sudão do Sul no Vaticano, o Papa inesperadamente ajoelhou-se e beijou os pés desses líderes, implorando que mantivessem o acordo de paz em seu país – um ato de humildade extrema que comoveu o mundo. Paralelamente, ele intensificou o diálogo inter-religioso, visitando países de maioria muçulmana, estreitando laços com líderes judeus e de outras denominações, e assinando em Abu Dhabi um documento histórico sobre fraternidade humana ao lado de uma importante autoridade islâmica. A forma como Francisco lida tanto com os poderosos quanto com os humildes segue a mesma lógica de empatia e simplicidade, sem ostentação de poder, sempre reforçando a ideia de que o papel da Igreja é servir e construir pontes.
Ao longo de toda sua trajetória, o estilo de vida pessoal de Francisco permaneceu coerente com sua mensagem. Ele continua morando em um quarto simples na Casa Santa Marta e dispensando luxos, preferindo a convivência e a modéstia. Em suas viagens apostólicas, costuma usar carros comuns em vez de veículos oficiais pomposos, e no cotidiano do Vaticano é visto frequentemente caminhando pelos jardins ou fazendo suas refeições ao lado de outros residentes, sem cerimônias. O Papa fez do próprio cotidiano um testemunho de austeridade: em vez de privilégios, escolheu o serviço. Essa atitude influenciou clérigos e fiéis ao redor do mundo – bispos e padres sentiram-se inspirados a adotar um perfil mais simples e próximo do povo, e muitos católicos se identificam com um líder que se apresenta com genuína humildade. Durante seu pontificado, Francisco promoveu mudanças significativas e retomou valores evangélicos fundamentais, recolocando a misericórdia, a simplicidade e a justiça social no centro da vida da Igreja. Com carisma e firmeza, ele imprimiu um novo ritmo à instituição, enfatizando o cuidado com os excluídos e o diálogo aberto com a sociedade contemporânea. Seu legado é o de um papa reformador e humanitário, que busca guiar a Igreja pelo exemplo, recordando que, acima de tudo, ela deve servir aos demais com amor e humildade.
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