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Para as novas gerações da luta antimanicomial

De todos os invisíveis da sociedade, as pessoas que sofrem de transtornos mentais foram objetos de diversas formas de violência, independente do período histórico ou da conjuntura sociopolítica. Desde a atribuição de possessão demoníaca até que a loucura seria contagiosa, colocavam essas pessoas a margem de qualquer direito humano.

No Brasil todas estas violações estiveram presentes em nossa história, entretanto, se resgatarmos somente de um período histórico de poucas décadas, podemos afirmar que a ditadura brasileira – da década de 1960 até os anos 1980 -, não foi cruel somente com seus opositores. Diante da repressão estatal, da falta de mecanismos de controle de recursos e a falta de parâmetros éticos, tal situação corroborou em muito com a crueldade com aqueles que precisavam de tratamento adequado para seu sofrimentos mental, e até, criou situações que levavam pessoas com transtornos passiveis de tratamentos psicológicos, a quadros clínicos mais graves. Internações compulsórias e arbitrárias eram comuns.

Nos manicômios do Brasil ser trancafiava não somente aqueles que precisavam de tratamento psiquiátrico, mas muito dos indesejáveis da sociedade pela sua conduta ou situação pessoal. Moradores de rua, alcoólatras, dependentes químicos, e até mesmo desafetos políticos e filhos que não se enquadravam nos parâmetros das famílias, eram jogados atrás dos muros dos manicômios e submetidos a supostos tratamentos que agravavam sua condição mental. O uso indiscriminado de medicação, eletrochoques, violências físicas e psicológicas levaram para o campo da loucura milhares de pessoas que, sob a ganância e a falta de controle externo na gestão de recursos, viraram fonte de lucro.

Vários locais mancharam a história do Brasil com lugares análogos aos campos de concentração que horrorizaram a humanidade na segunda metade do século XX. Como o Hospital Doutor Eiras em Paracambi, na Baixada Fluminense – que em determinados períodos chegou a ser o maior da américa latina, chegando a ter a cerca de 3 mil internos -, e o Hospital Colônia de Barbacena que, segundo registros, chegou a ter a cerca de 60 mil mortes. Em vários casos os próprios funcionários destas instituições – aqueles que mantinham algum resquício de humanidade -, relataram que os locais eram meros depósitos de indesejáveis, não lugares que se podia recorrer a algum tipo de tratamento.

Diante de diversas críticas ao sistema de cuidados de saúde mental ocorreu a divulgação da ‘carta de Bauru’ em dezembro de 1987, um grande marco na história brasileira da luta antimanicomial. No manifesto, cerca de 350 trabalhadores de saúde – presentes ao II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental -, se posicionaram contra o isolamento e a exclusão, a discriminação e a mercantilização da doença que, muitas vezes, tinham os maus tratos dos pacientes como um regra de conduta.

Também reivindicaram um novo rumo para uma sociedade sem manicômios, dando assim aos sujeitos em sofrimento psíquico a devida reabilitação psicossocial. Entretanto, somente em 2001 ocorreu a Reforma Psiquiátrica com a lei 10.216, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental e normatiza a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Hoje temos maioria dos atendimentos são feitos em serviços residenciais terapêuticos e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que priorizam o maior grau de autonomia possível e interação social.

Avançamos muito, mas ainda é preciso ter melhorias. Nisso, neste momento em que todos os preconceitos são resgatados em uma polarização infrutífera, relevante chamar a atenção de todas as pessoas que atuam com quem sofre dos mais diversos transtornos. Mas muito em especial aos profissionais de psicologia e psiquiatria, principalmente a nova geração que passaram a atuar neste momento tão difícil de nosso um mundo pós pandemia, que precisará, mais do que nunca, de todo o cuidado para acolher e tratar tanta gente.

Sendo assim, a luta antimanicomial deve-se manter constante, pois, esse movimento apresentou melhorias para a dignidade e os direitos humanos mais básicos.

– Publicado originalmente no jornal O Povo 10 de junho de 2020.

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Emanoelle Cavalcanti

Acadêmica de psicologia, voluntária na Ong Médicos do Mundo

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