Memória: Oséias José de Carvalho militante das lutas sociais na região da Baixada

Oséias José de Carvalho

O militante das lutas sociais na região da Baixada, Oséias José de Carvalho, foi morto na madrugada de 19 de março de 2009, no assentamento urbano Campo Belo, em uma área de forte atuação das milícias.

Membro da Assembleia Popular do Rio de Janeiro e um líder do movimento pela moradia na Baixada Fluminense Oséias de Carvalho Oséias era pai de uma filha e tinha 49 anos, foi assassinado em sua casa em Nova Iguaçu. Militante estava ajudando os moradores do acampamento de luta pela moradia ’17 de maio’, em Nova Iguaçu, onde resistiu com as famílias às ações de ataque e provocações contra a ocupação por milicianos que atuavam na região.

A luta do acampamento 17 de Maio foi registrada no mini documentário ‘1 ano e 1 dia’, dirigida por Cacau Amaral, João Xavier e Rafael Costa, que retrata a comemoração dos moradores após 366 dias de ocupação do terreno, o que legalmente garantiu-lhes a posse da terra.

Os terrenos eram objeto de disputa judicial e as pessoas do assentamento já haviam sido atacadas diversas vezes. O Oséias de Carvalho era um militante antigo e estava ajudando os moradores. Seu assassinato provocou um olhar maior das autoridades sobre a atuação das milícias na estrada de Madureira, em especial sobre o grupo do sargento PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, o que contribuiu para uma operação chamada ‘Descarrilamento’ feito pela Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), em agosto de 2009.

Máquina da morte

Segundo denúncias compiladas pela comissão da Alerj, a milícia denominada “Bonde do Jura” comandava quase 100 homens, entre civis e policiais, e dominava os bairros de Comendador Soares, Jardim Nova Era, Jardim Pernambuco, Palhada e Rosa dos Ventos. Atuando de forma sistêmica desde 2006, o grupo é acusada de causar mais de duas centenas de mortes na região da Estrada de Madureira.
A estratégia do bando seria executar, principalmente líderes comunitários, para tomar o poder político e formar currais eleitorais. Uma das táticas de ação do “Bonde do Jura” seria jogar os corpos das vítimas nas águas dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí.

De acordo com o então titular da Draco, Dr Cláudio Ferraz, o bando tinha negócios variados: tomadas violentas de bairros com assassinato de liderança e grilagem de terras para expansão dos territórios, cobrança de taxa de segurança de comerciantes e moradores; TV a cabo clandestina; pedágio de vans e kombis e mototáxis; comissões sobre aluguel e venda de imóveis; venda de gás; e o monopólio da produção de CDs e DVDs piratas em Nova Iguaçu, Queimados, Meriti e Caxias. Segundo a polícia, Jura tentava expandir seus domínios para outros municípios da região e mantinham uma relação de parceria com o então chefe da milícia Liga da Justiça, o ex-PM Ricardo Cruz, o Batman, que teria abrigado o criminoso quando ele foi caçado pela polícia na Zona Oeste.

O “Bonde do Jura” se firmou em Nova Iguaçu depois que conseguiu acabar com um grupo de extermínio que controlava o município, conhecido como Grupo do Pará. De acordo com as investigações, integrantes rivais ou se uniam a Jura ou eram mortos. A quadrilha chefiada pelo sargento teria ganhado, ainda, mais força depois da morte de Carlos Alberto Ezequiel, o Pará, em novembro de 2006.

Juracy não foi indiciado pela CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e, ainda segundo as denúncias, policiais da 52ª DP (Nova Iguaçu), 56ª DP (Comendador Soares), 58ª DP (Posse) e do 20º BPM (Mesquita) seriam coniventes com os milicianos.

Somente três anos depois de ser preso por suspeita de homicídios, ameaças e extorsões, em 2011, Jura foi expulso da Polícia Militar. Em 2014 o miliciano é condenado a 26 anos de prisão por chefiar o bando de Nova Iguaçu e por matar um jovem. Já em julho de 2017, progride para o regime semiaberto e é nomeado agosto para trabalhar na Secretaria de Ordem Urbana da prefeitura de Belford Roxo.

Domínio político

O PM Juracy Prudêncio, apontado como chefe da milícia de Nova Iguaçu, foi candidato a vereador em Nova Iguaçu, em 2004, e obteve pouco mais de 800 votos. Já em 2008, após intensificar ação criminosa com o “Bonde do Jura”, teve quase 10 mil votos, um dos mais botados da Baixada, mas seu partido não fez legenda.

A companheira de Juracy Alves Prudêncio foi eleita vereadora em Nova Iguaçu na coligação de Nelson Bornier. Giane Silveira Prudêncio, adotou o nome de “Giane Jura”, em referência ao marido preso, e obteve 3.527 votos. Em 2016, ela não conseguiu se reeleger.

Em junho de 2022, a Justiça negou mais um pedido de abrandamento da pena feito pela defesa do miliciano Juracy Alves Prudêncio. Os advogados de “Jura” queriam a progressão de regime semiaberto para aberto, mas a juíza Viviane Ramos de Faria foi enfática ao negar o pedido, alegando que o criminoso foi condenado pela prática de crime hediondo e que mesmo preso mantém posição de liderança no grupo que recebe o nome de “Bonde do Jura. A juíza reforçou que relatórios apresentados pelo Ministério Público apontam que Juracy é um criminoso de alta periculosidade e que ainda representa risco para a sociedade.

No início de 2023, Juracy Alves Prudêncio volta aos noticiários pelo seu apoio politico para eleição de Daniella do Waginho, deputada federal que assumiu o ministério do Turismo do governo Lula.

Decisão de Juiz reforça assassinato de Oséias pela disputa de terras

Poucos dias depois, no dia 24 de março de 2009, o juiz da 7a Vara Cível de Nova Iguaçu, JOÃO BATISTA DAMASCENO, proferiu uma decisão indeferindo a ação de reintegração de posse pela IMOBILIARIA BRASIL CENTRAL LTDA, que se apresenta como dona do terreno, que corria desde 2003, contra as famílias que moram na Ocupação.

Na decisão, o Dr João Damasceno colocou:

A decisão judicial reduz um pouco a tristeza e o desamparo da comunidade, ainda abalada e assustada pelo assassinato, no último dia 19, do companheiro Oséias José de Carvalho, presidente da Associação de Moradores de Campo Belo, e que desde o início esteve junto com os sem-teto, apoiando a luta da 17 de Maio e auxiliando com sua experiência (participou da luta dos sem-terra em Campo Alegre, e da organização da ocupação que forçou o governo estadual a construir o conjunto Campo Belo, onde morava como assentado). Na mesma madrugada em que Oséias foi assassinado, também foi executado em casa (possivelmente pelas mesmas pessoas) o Sr. Jadir, morador mais antigo de área próxima à ocupação (conhecida como Linha Velha), e que foi uma das testemunhas que atestou o abandono do terreno ocupado antes da entrada das famílias em 17/05/2003.

Portanto, os sem-teto têm toda a razão de temer que as mortes estejam ligadas à disputa pela terra. A decisão judicial é fruto de uma prolongada luta dos sem-teto da 17 de maio. Num primeiro momento, tiveram que enfrentar os incêndios criminosos e ameaças promovidos pelos capangas (muitos dos quais policiais conhecidos na região) pagos pela Imobiliária e pelo outro suposto dono da terra, PAULO CESAR AMARAL CARVALHO (este sequer conseguiu provar documentalmente a propriedade). Quando perceberam que não derrotariam a ocupação pela violência simplesmente, os ditos donos entraram com a ação de reintegração, quase seis meses após o início da ocupação (esse período da luta e da resistência está registrado, por exemplo, no curta-documentário “1 ano e 1 dia”, que já foi premiado e exibido no exterior, e que traz depoimentos de Oséias e outros militantes).

Começou então nova luta, também árdua, pois tratava-se de convencer possíveis testemunhas (moradoras e moradores antigos da região) a dizerem simplesmente a verdade (que o terreno era abandonado e não utilizado de maneira nenhuma pelos supostos proprietários). Ora, em áreas pobres, como é a periferia do Rio (Baixada, São Gonçalo, etc), dizer a verdade contra os poderosos é algo muito arriscado, pois todos sabem como os endinheirados pagam e mantêm grupos de extermínio e outras quadrilhas armadas para preservar seus bens e interesses. Mesmo assim, conseguiram- se os testemunhos (como do Sr. Jadir) e mobilizaram- se os moradores. Na última audiência de instrução, por exemplo, em agosto de 2008, mais de cem moradoras e moradores, incluindo muitas crianças, lotaram o auditório no Fórum de Nova Iguaçu.

A ocupação também teve que enfrentar o descaso e descompromisso da prefeitura de Nova Iguaçu, que recusou-se a aceitar uma proposta de urbanização da área, decisão criticada pelo próprio Ministério das Cidades. Também tem resistido a prefeitura em atender as reivindicações de saneamento básico da ocupação, embora isso não a impeça de atividades assistencialistas e eleitoreiras como a distribuição de cadernetas de distribuição de leite como o nome do prefeito impresso, às vésperas da última eleição.

Campo Alegre

Durante meados da década de 1980, o assentamento de Campo Alegre, hoje repartido entre os municípios de Queimados e Nova Iguaçu, foi promovido pelo estado do Rio de Janeiro como projeto-piloto de reforma agrária. Apesar de sucessos iniciais, esse projeto ambicioso logo se desarticulou tanto no âmbito comunitário quanto no estatal. Este artigo pretende entender por que não se concretizaram as grandes ambições para Campo Alegre, traçando um histórico microrregional denso a partir do estudo sistemático das fontes documentais existentes, sobretudo as produzidas pelos órgãos burocráticos especializados. Do lado da organização popular, enfatizamos a pouca articulação com outros movimentos sociais, dificuldade de gerir bens coletivos, dependência de lideranças personalistas e falta de tradição agrícola dos assentados. Do lado do estado, situação fundiária cartorialmente complexa, leitura voluntarista que equacionava os ocupantes em Campo Alegre aos movimentos de posseiros anteriores ao Golpe de 1964, inconsistência nas políticas públicas agrárias e cooptação de lideranças populares.

Pronunciamento na Câmara Federal por época do assassinato de Oséias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados e todo(as)s os(as) que assistem a esta sessão ou nela trabalham:

Mais um militante das lutas populares foi assassinado. O companheiro Oséias José de Carvalho, líder do movimento pela moradia, foi morto na madrugada do último dia 19 de março. Em plenária, os Movimentos Sociais aprovaram uma Nota de Repúdio e exigiram apuração exemplar do abominável crime de morte, com imediata prisão de mandantes e dos culpados. Aprendemos com a história que a impunidade tem um parentesco próximo à violência continuada.

Essa Nota foi enviada aos seguintes órgãos: Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Assistência Social e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e 56ª Delegacia de Polícia.

No âmbito da Câmara dos Deputados, sugerirei sua aprovação na Comissão de Direitos Humanos. Segue sua transcrição nos Anais da Casa.

Na madrugada de 19 de março de 2009, os movimentos sociais do Rio de Janeiro e a esquerda fluminense perderam, vítima de um brutal assassinato, o militante Oséias José de Carvalho.

Pai de uma filha, 43 anos, histórico militante da luta pela moradia e filho de assentados da Reforma Agrária, Oséias encontrava-se no assentamento urbano “Campo Belo” – local de sua moradia – quando foi encontrado assassinado pela manhã. Militante das lutas sociais na região da baixada, membro da Assembleia Popular do Rio de Janeiro, acompanhava o acampamento de luta pela moradia “17 de maio” em Nova Iguaçu onde resistiu com as famílias às ações de ataque e provocações contra a ocupação.

É inaceitável a crescente represália aos movimentos sociais e lutadores do povo, da qual, temos certeza, Oséias foi uma vítima. Repudiamos a recorrente criminalização que faz das vítimas os algozes e nos comprometemos a lutar para que a memória e a luta pelos direitos do nosso povo não seja em vão.

Nesse sentido, exigimos providências urgentes no que se refere à investigação dessa execução e à proteção dos militantes sociais da região.”

Agradeço a atenção, Sala das Sessões, 25 de março de 2009 – Chico Alencar Deputado Federal

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Texto atualizado periodicamente.

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