Memória: Frei Tito de Alencar mártir da tortura

Frei Tito de Alencar mártir da tortura

O frade católico brasileiro assumiu a direção da Juventude Estudantil Católica em 1963 e foi morar no Recife. Mudou-se para São Paulo para estudar Filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Em outubro de 1968, foi preso por participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna (SP). Fichado pela polícia, tornou-se alvo de perseguição pela repressão militar.

Preso em novembro de 1969, em São Paulo, acusado de oferecer infraestrutura a Carlos Marighella, Tito foi submetido à palmatória e choques elétricos, no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Em fevereiro do ano seguinte, quando já se encontrava em mãos da Justiça Militar, foi retirado do Presídio Tiradentes e levado para a sede da Operação Bandeirantes (Oban).

Durante três dias, bateram sua cabeça na parede, queimaram sua pele com brasa de cigarros e deram-lhe choques por todo o corpo, em especial na boca, “para receber a hóstia”. Os algozes queriam que Tito denunciasse quem o ajudara a conseguir o sítio de Ibiúna para o congresso da UNE e assinasse depoimento atestando que dominicanos haviam participado de assaltos a bancos. Tito tentou o suicídio e foi socorrido a tempo no hospital militar, no bairro do Cambuci.

Na prisão, escreveu sobre a sua tortura. O documento correu pelo mundo e se transformou em símbolo da luta pelos direitos humanos. Em dezembro de 1970, incluído na lista de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Tito foi banido do Brasil pelo governo Médici e seguiu para o Chile. Sob a ameaça de novamente ser preso, fugiu para a Itália. De Roma, foi para Paris, onde recebeu apoio dos dominicanos. Traumatizado pela tortura, Frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico. Nas ruas da capital francesa, ele “viu” o espectro de seus torturadores e cometeu suicídio.

No dia 10 de agosto de 1974, um morador dos arredores de Lyon encontrou o corpo de Frei Tito suspenso por uma corda pendurada em uma árvore. Foi enterrado no cemitério dominicano do Convento Sainte-Marie de La Tourette, em Éveux.

Em 1983, o corpo de Frei Tito chegou ao Brasil. Cercado por bispos e um numeroso grupo de sacerdotes, Dom Paulo Evaristo Arns repudiou a tragédia da tortura em missa de corpo presente, acompanhada por mais de 4 mil pessoas. A missa foi celebrada em trajes vermelhos, usados em celebrações de mártires.

Vários trabalhos sobre a vida do religioso foram desenvolvidos, como o curta-metragem Frei Tito, dirigido por Marlene França, e a peça de Licínio Rios Neto Não seria o Arco do Triunfo um monumento ao pau de arara?, em memória de Tito. Em 2014, Leneide Duarte Plon e Clarisse Meireles publicaram o livro “Um homem torturado – Nos passos de Frei Tito de Alencar”.

Poema escrito por Tito em Paris, a 12 de outubro de 1972:

“Quando secar o rio da minha infância / secará toda dor. Quando os regatos límpidos de meu ser secarem / minh’alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes / lá onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes, me deitarei na relva / e nos dias silenciosos farei minha oração. / Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia./ Nos dias primaveris, colherei flores / para meu jardim da saudade. Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio”.

Trecho do livro: “Um homem torturado – Nos passos de Frei Tito de Alencar”

“No interrogatório de Tito, Fleury lhe disse: – Ivo e Fernando foram submetidos ao soro da verdade e já falaram. Como o frade continuasse impassível durante duas horas, Fleury mandou levarem Tito para a sala de tortura, onde se encontravam umas cinco pessoas que começaram a lhe dar socos, antes de colocá-lo no pau de arara.”

“Um silêncio do homem, um silêncio de Deus” (Frei Tito)

Por João Oscar

As marcas da tortura na ditadura militar são chagas abertas e escondidas na Igreja do Brasil.
As elites religiosas, ainda se viram diante dos relatos de dor e sofrimento que a mesma causou, não suportam Frei Betto, negam a memória de Frei Tito, e comemoraram a morte de Frei Fernando. O servo sofredor se atualiza na história deles e de muitos torturados e mortos por esse episódio triste da história brasileira.

Frei Tito foi preso e torturado, durante as seções de tortura, ele escreveu em 1979 na sua cela: “A esperança desses presos coloca-se na Igreja, única instituição brasileira fora do controle estatal-militar. Sua missão é: defender e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo, é o Mestre que sofre. É hora de nossos bispos dizerem um BASTA às torturas e injustiças promovidas pelo regime, antes que seja tarde.
A Igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo. Se a Igreja não se manifestar contra essa situação, quem o fará? Ou seria necessário que eu morresse para que alguma atitude fosse tomada? Num momento como este o silêncio é omissão. Se falar é um risco, é muito mais um testemunho. A Igreja existe como sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo”.

Essa esperança Nunca veio em Socorro dos presos da ditadura. Frei Tito teve asilo negado em Roma por ser considerado um padre terrorista, depois foi acolhido por dominicanos na França, onde apesar dos tratamentos psiquiátricos, retirou sua vida, pelos traumas sofridos durante os anos presos na ditadura militar.

Frei Betto foi preso por duas vezes na ditadura militar, relata sua experiência nos livros “Cartas da Prisão”, “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” e Batismo de Sangue.

FREI BETTO: “Fui torturado fisicamente na primeira prisão, em junho de 1964. Na segunda, em novembro de 1969, livrei-me da tortura física graças à intervenção do general Campos Christo, irmão de meu pai. Porém, assisti a torturas de outros presos e sofri torturas psicológicas.”

Depois dedicou sua vida à construção de Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, e a escrever seus livros. Apesar de ser muitas vezes premiado por sua luta em defesa dos direitos humanos, para parte da Igreja, é considerado terrorista.

Frei Fernando durante sua prisão teve a brilhante ideia de escrever em tiras de papel os horrores sofridos por ele e por outros presos, que depois, sob os cuidados de Frei Betto, se tornou o livro “Diário de Fernando”. Um dos relatos foi este:

“Eu chego, tiram a minha roupa, me colocam no pau-de-arara. O tempo todo, a tortura foram os choques no pau-de-arara. Orelha, pé, em todo o corpo, mas o ponto pior foi quando enfiaram o fio na uretra, aí era o ponto pior, a dor era indescritível.”

Frei Fernando veio falecer na segunda semana de março de 2019.

O então presidente da República Bolsonaro achou por bem “celebrar” o golpe que implantou a ditadura militar, o que nos permite reparar algumas cicatrizes, como o silêncio da Igreja na ditadura, e o nosso silêncio atual, dando voz aos nossos mártires e gerando vida em meio à morte.

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