A série Pesquisando no ICMBio, lançada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), revelou os resultados de um estudo inédito que analisa os impactos socioambientais das práticas religiosas realizadas na Reserva Biológica do Tinguá (REBIO do Tinguá), importante área de proteção integral da Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro, reconhecida por sua riqueza hídrica, biodiversidade e status legal restritivo.
A pesquisa foi apoiada pela Chamada DIBIO 2022/2023 e coordenada por Gisele Silva de Medeiros, da equipe da REBIO, com foco em compreender como o uso religioso — especialmente por grupos neopentecostais — tem afetado ecossistemas sensíveis da reserva, gerando conflitos com os princípios da conservação ambiental.
Introdução: área protegida sob pressão
A REBIO do Tinguá é uma unidade de conservação de proteção integral, o que significa que seu uso é restrito à pesquisa científica e à conservação da natureza. No entanto, desde 2021, foi detectado um crescimento expressivo na presença de grupos religiosos, especialmente de perfil evangélico, utilizando trilhas e clareiras da reserva para peregrinações e orações coletivas, o que motivou a abertura do estudo.Objetivos: religiosidade e meio ambiente em rota de colisão
O estudo teve como objetivo principal compreender o conflito ambiental decorrente do uso religioso não autorizado na unidade e identificar impactos diretos à biodiversidade. Também buscou propor soluções compatíveis com a legislação ambiental vigente, sem ignorar a liberdade religiosa, direito fundamental garantido constitucionalmente.
Entre os focos estavam:
- Avaliar a diversidade de grupos religiosos presentes;
- Medir o impacto do trânsito humano nas trilhas;
- Sugerir áreas contíguas onde as práticas pudessem ocorrer sem agredir a vegetação nativa.
Metodologia: mapeamento em campo e análise de perfil
A pesquisa envolveu dois núcleos principais da reserva: o Pico do Tinguá e a região da Boa Esperança.
No Pico do Tinguá:
- Foram realizadas expedições em trilhas;
- Observou-se presença de objetos religiosos, lixo e vestígios de acampamentos;
- Confirmou-se o uso recorrente para peregrinação e prática espiritual coletiva.
Na Boa Esperança:
- Foram aplicados formulários semiestruturados para identificar o perfil dos frequentadores;
- Realizou-se mapeamento via GPS de 57 clareiras abertas para orações — algumas situadas dentro da área protegida, causando intervenções na vegetação e compactação do solo.
Resultados: 57 clareiras e espécies ameaçadas em risco
O levantamento constatou que:
- A abertura de 57 clareiras por grupos religiosos resultou em dano ambiental severo, como a compactação do solo e prejuízo à regeneração da vegetação nativa;
- Muitos dos frequentadores tinham consciência de que a área era protegida, mas mesmo assim mantinham as atividades espirituais no local;
- No Pico do Tinguá, onde a proteção é mais rígida, foram identificadas espécies raras e ameaçadas, como o Sapo Pingo de Ouro e o Sagui-da-Serra-Escuro — ambas ameaçadas pelo aumento do trânsito de pessoas e descarte de resíduos.
Conclusões: necessidade de reordenamento e equilíbrio legal
O estudo conclui que o fenômeno da peregrinação religiosa na REBIO é recente, não tem vínculo com comunidades tradicionais locais e está em desacordo com os objetivos da reserva, que incluem manter áreas intocadas e garantir serviços ecossistêmicos, como a produção de água.
Diante disso, o ICMBio recomenda:
- A continuidade de estudos técnicos para mapear áreas externas ou adjacentes à reserva onde práticas religiosas possam ser realizadas de forma legal e ambientalmente compatível;
- O fortalecimento da Educação Ambiental, promovendo o diálogo entre conservação e fé;
- A necessidade de respeitar os limites legais de unidades de conservação, mesmo em práticas religiosas.
Um desafio entre espiritualidade e proteção ambiental
O caso da REBIO do Tinguá revela um desafio complexo e atual: como compatibilizar o direito à liberdade religiosa com a obrigação legal de proteger ecossistemas frágeis. A pesquisa representa um passo importante nesse debate, baseando decisões futuras em dados técnicos, diálogo e responsabilidade socioambiental.
A série Pesquisando no ICMBio continua apresentando os resultados de outras pesquisas estratégicas em todo o Brasil, desde 2010, fortalecendo a ciência como base da conservação.
Leia também
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________

Compartilhe: