Após 35 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) busca finalmente tornar realidade um instrumento de registro e reconhecimento da contribuição da população negra para a construção da identidade nacional brasileira. A proposta apresentada pelo Iphan na última terça-feira (1º/8) consiste em uma minuta de portaria que tem como objetivo regulamentar o procedimento de tombamento constitucional de documentos e sítios com símbolos históricos ligados aos antigos quilombos.
A ideia é criar um mecanismo de tombamento distinto do “tombamento administrativo”, previsto no Decreto-Lei no 25 de 1937, que seja mais ágil e simplificado. A proposta se baseia no parágrafo 5º do Artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que determina o tombamento de todos os documentos e sítios relacionados aos antigos quilombos. No entanto, devido à negligência e ao racismo institucional do Estado brasileiro ao longo dos anos, essa engenharia nunca foi efetivada como deveria.
A reunião interministerial contou com representantes de órgãos relacionados ao tema dos quilombos, como o Ministério da Cultura, o Ministério da Igualdade Racial, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a Fundação Cultural Palmares. A próxima etapa receberá contribuições ao texto da proposta de outros órgãos interessados, incluindo o Ministério dos Direitos Humanos. Posteriormente, a proposta será mantida a uma consulta pública aberta à sociedade e, se tudo correr conforme planejado, a portaria poderá ser publicada no Diário Oficial da União em 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
A coordenadora-geral de identificação e reconhecimento do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, Vanessa Maria Pereira, vê o regulamento do tombamento constitucional como uma oportunidade para reparar décadas de atraso e implementar uma agenda antirracista nos revolução de reconhecimento patrimonial brasileiro. O novo instrumento busca colocar os territórios de resistência negra na narrativa da identidade nacional com a mesma importância dos outros bens tombados.
Historicamente, o entendimento oficial sobre o tombamento de quilombos era limitado a sítios com vestígios materiais de ocupações quilombolas extintas ou até a Lei Áurea em 1888, deixando de fora quilombos ativos que continuariam existindo como locais de resistência. A nova proposta do Iphan visa reconhecer o valor patrimonial tanto de sítios abandonados quanto dos ainda ocupados por comunidades quilombolas com práticas culturais vigentes.
Espera-se que o novo mecanismo de tombamento constitucional beneficie os 17 quilombos que ainda esperam pelo tombamento desde a década de 1990 e estimule outras comunidades a buscar o reconhecimento patrimonial. O novo modelo dispensa a maior parte dos trâmites burocráticos do procedimento tradicional de tombamento, tornando o processo mais rápido e direto.
A proposta é vista como um avanço no combate ao racismo patrimonial, que historicamente privilegiou bens com viés europeu, deixando de reconhecer o legado patrimonial das comunidades negras e indígenas na construção da identidade nacional. A iniciativa é recebida com entusiasmo pelos remanescentes de quilombos e representantes de dispensação ao tema, que veem nela uma oportunidade de correções históricas e de estabelecimento de relações mais justas.