O caso Lucas Terra ganhou repercussão nacional e internacional após a morte brutal do jovem de 14 anos, em Salvador, em 21 de março de 2001. O jovem foi vítima de agressões sexuais e queimado vivo por um grupo de homens, entre eles um pastor, um bispo, um obreiro, com o apoio de um segurança da sede da Igreja Universal em Salvador. Até o momento, apenas o pastor Silvio Roberto Galiza foi condenado pela justiça, mas o caso ainda está em aberto.
O júri popular dos outros acusados, Fernando Aparecido da Silva e Joel Macedo, foi adiado em março de 2020, devido à pandemia de COVID-19, e em 2021 foi aberta uma petição pública pedindo que o Poder Judiciário do Estado da Bahia marcasse a data do Tribunal do Júri.
Siga: Apoio Caso Lucas Terra
Relembre o acontecido
No final de 2000, a família Terra planejava se mudar para Parma, na Itália, onde trabalhariam em um restaurante. Marion, a mãe de Lucas, foi a primeira a partir, viajando de avião do Rio de Janeiro para a Europa nos últimos dias de dezembro. Enquanto isso, Carlos Terra, o marido, e seus filhos, incluindo Lucas, passaram o verão em Salvador, onde um dos irmãos de Lucas residia.
Foi em janeiro de 2001 que Lucas Terra, um jovem religioso, começou a frequentar a Igreja Universal do bairro de Santa Cruz, em Salvador. Ele se identificou tanto com o evangelho que dedicava seu tempo integralmente para a obra de Deus, conforme relatado por Marion. Lucas e um grupo de jovens visitavam favelas, distribuíam roupas e tentavam evangelizar crianças.
Em conversas por telefone, Lucas confessava a sua mãe que estava desiludido com a Europa e tinha o desejo de permanecer no Brasil. Ele aspirava ser obreiro da Universal, um papel de destaque que ficava um nível acima da posição de assistente de obreiro que ele ocupava. Na prática, um obreiro auxilia o pastor na organização das atividades do templo.
Lucas também estava apaixonado por sua namorada, que frequentava a mesma igreja. Seu mentor era o pastor Silvio Roberto Galiza, que liderava a unidade. Testemunhas relataram que o pastor Galiza tinha um comportamento dominador em relação ao jovem.
Na noite de 21 de março de 2001, o adolescente estava prestes a realizar seu sonho. Galiza convidou somente Lucas, que fazia parte de um grupo, para ir de ônibus até a sede da Universal na Pituba, a quatro quilômetros de distância da igreja em Santa Cruz, a fim de receber a gravata de obreiro.
Em seu depoimento dado em 2008, o assassino Galiza alegou que Lucas Terra teria flagrado os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo em um ato sexual no templo da Igreja Universal. Que isso teria sido a razão por trás do assassinato do jovem, de acordo com o testemunho do criminoso.
Lucas Terra foi levado à força pelos três religiosos para outro templo da Igreja Universal, localizado em Rio Vermelho, onde sofreu tortura e abuso sexual. Depois, ele foi colocado dentro de um caixote e queimado vivo em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama, em Salvador.
O corpo do adolescente de 14 anos só foi encontrado em 23 de março, enquanto seu pai, Carlos, procurava por ele sem comunicar a esposa. Marion só ficou sabendo do assassinato de seu filho mais novo duas semanas depois, e retornou ao Brasil no início de abril.
Quando chegou ao país, Marion, mãe de Lucas Terra, aguardou 43 dias até poder enterrar o corpo do filho, já que o Instituto Médico Legal (IML) precisou realizar o exame de DNA. Além disso, a família Terra teve que lidar com a demora no andamento do inquérito, que só foi concluído em outubro de 2001.
O pastor Silvio Galiza passou a ser acusado pela morte de Lucas, mas sua prisão não foi decretada, o que só aconteceu após o pai do menino, Carlos Terra, acampar na porta do Ministério Público de Salvador.
O processo judicial andava vagarosamente, mas mesmo diante da dor da brutalidade da perda do filho, Carlos Terra e sua esposa Marion não se calaram diante da tragédia que ocorreu com seu filho Lucas Terra. Eles foram às ruas protestar e participaram de palestras para compartilhar o caso. Além disso, enviaram uma carta à Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando a demora no processo e questionando como Galiza, que morava na periferia, tinha recursos para pagar um time de advogados. A pressão da família resultou no primeiro julgamento do pastor em junho de 2004.
Ameaças da Igreja
Nessa época, as ameaças começaram a surgir. Segundo Marion Terra, ela recebia ligações de indivíduos que a intimavam a parar de denunciar a igreja, dizendo que deveria se preocupar com a segurança de seus filhos e que eles estavam manchando a imagem da Universal. Ela afirma que tentaram intimidá-los de todas as formas possíveis.
Durante esse período, a família de Marion Terra se mudava frequentemente para se proteger de possíveis tentativas de intimidação. De acordo com ela, a Igreja Universal do Reino de Deus tem trabalhado para impedir a condenação dos três pastores.
Condenação de Silvio Galiza
No dia 9 de junho de 2004, Silvio Galiza foi condenado a 23 anos e 5 meses de prisão por homicídio triplamente qualificado, abuso sexual, morte e queima do corpo da vítima Lucas Terra.
No entanto, após recurso, a pena foi reduzida para 18 anos e depois para 15 anos. Cinco testemunhas foram fundamentais para a condenação. Embora a acusação tenha apontado Galiza como o único autor do crime, a promotora Cleusa Boyda expressou a sensação de que havia mais pessoas envolvidas, enquanto o promotor Davi Gallo afirmou que seria impossível para Galiza ter cometido o crime sozinho.
Silvio Galiza acusa outros pastores da Universal
Em 2006, durante uma entrevista no programa Linha Direta, Galiza apresentou uma nova versão do crime, como já havia feito em outras ocasiões. Ele estava acompanhado de sete advogados e sempre alegava sua inocência, mas desta vez acusou outros três membros da igreja: o bispo Fernando Aparecido da Silva, o pastor Joel Miranda Macedo e o segurança dos dois, Luis Claudio.
De acordo com a nova versão de Galiza, Lucas teria morrido por ter contado a ele que viu Joel Miranda e Fernando Aparecido em um ato sexual. A promotoria aceitou a declaração. O advogado de defesa alegou que a denúncia contra seus clientes era uma estratégia de Galiza, depois que Aparecido e Miranda o afastaram por levar garotos para dormir na mesma cama que ele, na igreja do Rio Vermelho, em Salvador. Em outra entrevista, Galiza disse que recebeu ameaças de um advogado da Universal e foi subornado para omitir fatos do crime.
Novos denunciados
Após o depoimento de Galiza, em 2008, surgiram suspeitas envolvendo os outros acusados, Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo, em fevereiro de 2008, levando a abertura de um processo contra ambos no mesmo ano. Fernando ficou preso por um tempo depois de ter ficado foragido, enquanto Joel continuou fugitivo. Após 18 meses de processo, em 2010, receberam habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) e, três anos depois, foram inocentados por falta de provas. No entanto, a família de Lucas Terra recorreu da decisão.
Em novembro de 2013, a juíza Gelzi Almeida inocentou Fernando e Joel, alegando falta de provas. Depois que a família de Lucas recorreu da decisão, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) julgou o Recurso de Apelação em setembro de 2015. Os desembargadores decidiram por unanimidade que Joel Miranda Macedo e Fernando Aparecido da Silva deveriam ser levados a júri popular. No entanto, a decisão foi barrada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que adotou a tese da falta de provas em novembro de 2018. Após um novo recurso, em setembro de 2019, a ministra Cármen Lúcia decidiu que os pastores seriam julgados, descartando a possibilidade de novos recursos.
O pai do menino já estava doente e definhou até a morte
Marion Terra acredita que a decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF)e ncerrou as esperanças de justiça de seu marido, Carlos Terra. Infelizmente, Carlos morreu aos 65 anos devido a uma parada respiratória causada por cirrose hepática, antes que a decisão fosse tomada.
Desde a morte de seu filho, Carlos lutou para que a justiça fosse feita, deixando de cuidar de sua saúde e evitando sair da Bahia por medo de novos desenvolvimentos no caso. A única exceção foi uma viagem a Roma com sua esposa no início de 2018, onde eles descobriram, em novembro, que o processo havia sido anulado.
Carlos e seu filho estão enterrados lado a lado no mesmo cemitério. “Ele já estava doente e definhou até 2019”, lamentou Marion.
Julgamentos adiados
Com a chegada da pandemia de Covid-19, em março de 2020, a data de julgamento dos réus foi novamente adiada. Em busca de informações sobre o andamento do caso, na época o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) informou que o processo é físico e possui vários volumes, e que tinham que aguardar a “unidade responsável pela análise das peças digitais para dar encaminhamento”.
Nesta época, a Dra Tuany Sandes Cardoso, advogada que atua como assistente de acusação de Marion Terra – e que revelou que o caso Lucas Terra foi o que a motivou a se especializar na área criminalista -, expôs que pode acontecer a impunidade dos acusados. Pois, por mais que sejam levados a julgamento, há a possibilidade de que não cumpram a pena caso a Justiça brasileira demore para concluir a análise dos recursos.
Segundo a advogada, se forem condenados, eles poderão recorrer ao Tribunal de Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Pois existem causas interruptivas e suspensivas da prescrição punitiva no Código Penal e no Código de Processo Penal, e que não há risco de prescrição antes do tribunal do júri. No entanto, a prescrição da pretensão executória pode ocorrer dependendo do momento em que eles entrarem no sistema penitenciário, se eventualmente forem condenados.
Responsabilização da Igreja Universal
Em outubro de 2007, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a decisão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, datada de 14 de março, determinando que a Igreja Universal do Reino de Deus pagasse um milhão de reais em danos morais à família de Lucas.
Segundo a decisão, “o vínculo [entre Galiza e a Universal está caracterizado pela subordinação, poder diretivo escalonado, remuneração, atos constitutivos, entre outros”, e a negligência da igreja permitiu a ocorrência do crime. A defesa da igreja contestou a decisão, alegando que o pastor não estava em horário de trabalho durante o crime, mas a decisão foi mantida pelo Superior Tribunal Justiça da Bahia.
Em dezembro de 2008, com juros e correção monetária, a multa foi avaliada em dois milhões de reais, e a Universal pagou o valor.
Sensação de impotência e condenação
A mãe de Lucas Terra, uma religiosa e frequentadora da Assembleia de Deus, considera a Igreja Universal do Reino de Deus como uma “empresa manchada com o sangue” de seu filho. Ela acredita que tanto Silvio Galiza quanto Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo são “lobos vestidos de pastores”. E deseja que paguem pelo crime cometido.
Desde a ausência do marido nos últimos anos, ela busca forças em Deus para seguir em frente. “A vida tem sido difícil, com altos e baixos, mas procura se manter firme”, segundo Marilon. Ela carrega uma sensação de impotência que parece ter condenado sua vida para sempre.
Livros e filme
Em 2009, um documentário de 40 minutos que reconstituiu o caso Lucas Terra foi lançado na Bahia. Escrito e dirigido por Cláudio Factum, o documentário é intitulado como “Lucas Terra – A História que não pode ser esquecida”.
Em 2016, o pai de Lucas Terra escreveu um livro sem fins lucrativos intitulado “Lucas Terra – Traído pela obediência”, que foi distribuído de forma independente. Em 2019, Carlos e Marion Terra lançaram uma continuação do primeiro livro, intitulado “Traído pela obediência”, que foi lançado em versão digital na Amazon em 1º de maio de 2019.
Decisão do STJ sobre o Caso Lucas Terra gera impasse e revolta familiar
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou no dia 11 de fevereiro de 2025, mais um recurso relacionado ao homicídio do jovem Lucas Terra, ocorrido em 2001, em Salvador (BA). O desfecho da sessão, transmitida ao vivo pelo canal do STJ no YouTube, resultou em um empate entre os ministros, o que, pelo regimento, favoreceu os réus e concedeu-lhes habeas corpus. A decisão gerou forte reação de Marion Terra, mãe da vítima, que se declarou indignada com a condução do processo.
Durante o julgamento, um dos ministros estava impedido de votar, deixando apenas quatro magistrados na bancada. A Ministra Daniela Dantas e o Ministro Messod Azulay pronunciaram-se favoravelmente aos réus, enquanto os Ministros Reynaldo Fonseca e Ribeiro Dantas votaram contrariamente ao pedido de liberdade. Em razão do empate (2 a 2), formou-se maioria em benefício dos dois pastores acusados do crime, Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda.
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________

Compartilhe: