Antônio Frederico de Castro Alves, mais conhecido como Castro Alves, nasceu em 14 de março de 1847, na Fazenda Cabaceiras, em Curralinho, na então Província da Bahia, Brasil. Desde cedo, demonstrou talento para a poesia, influenciado por seu pai, um médico e político, e por sua mãe, que tinha inclinações artísticas. Em 1862, foi para o Recife, onde ingressou no Ginásio Pernambucano e, posteriormente, na Faculdade de Direito do Recife. Foi durante sua estadia no Recife que se envolveu mais profundamente com a literatura e conheceu outros escritores, como Tobias Barreto e Rui Barbosa.
Castro Alves é conhecido por seu fervor abolicionista e por sua poesia engajada, que denunciava a escravidão e clamava por liberdade e justiça. Seus poemas, como “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”, são exemplos de sua paixão pela causa abolicionista. Teve um relacionamento amoroso com a atriz Eugênia Câmara, que também influenciou sua obra. Em 1868, sofreu um acidente que resultou na amputação de um dos pés, afetando significativamente sua saúde. Mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para Salvador em busca de tratamento médico para a tuberculose, doença que acabou por vitimá-lo. Castro Alves faleceu em 6 de julho de 1871, aos 24 anos, em Salvador, Bahia.
Entre suas principais obras estão “Espumas Flutuantes” (1870), único livro de poesias publicado em vida, “A Cachoeira de Paulo Afonso” (1876), “Os Escravos” (1883) e “Hinos do Equador” (1867), todas publicadas postumamente. Sua poesia abrange temas sociais, políticos e amorosos, mas é mais conhecida por sua crítica veemente à escravidão. Usava uma linguagem rica e emotiva, com uma habilidade única para combinar beleza poética com um apelo moral e social.
Castro Alves deixou um legado duradouro na literatura brasileira. Sua obra continua a ser estudada e admirada por sua beleza lírica e pelo poder de sua mensagem humanitária. Ele é lembrado como um dos maiores poetas do Brasil e uma figura central na luta pela abolição da escravidão no país.
O Navio Negreiro
I
‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…
‘Stamos em pleno mar… Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode, neste aceno
De mil vista e de horizontes tantos,
Sob as róseas da garça do deserto
Ir prosseguir por entre os céus e os cantos.
Na proa e na gávea entre as vagas,
Onde o chão livre e o trabalho é feudo,
Nas asas do pavão florido das águas
Segue a luta com queixas e anelos.
Ao primeiro rangir das chaves novas,
Deixa a terra — o mar é seu asilo!
Nem tem na alma inquietação da pátria,
Nem da casa o chorar sensível filho.
Alerta, alerta! Infinda, imprevidente,
Não busca enseadas nem recifes,
Alerta! atento! é sua fé terrível,
Por onde parte, ao seu redor petrificam.
E sobre a tábua temerosa flutua
O audaz nauta infatigável, e insano.
Sei não, que anseio estranho, que medo infindo
O leva e o prende à ânsia do oceano.
Ele, em busca da pátria, ali navega,
Entre esperanças, desespero e horror,
Ele a agonia do mar fatal depara
Ao despertar-se do cismar em dor.
Mas este humilde, tenro e pequenino
Retalha o azul da vaga ardentia…
E ao rugir da maré, vai rutilante
O sonho audaz da América — a Bahia!
II
Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais…
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala,
E voam mais e mais…
Presa dos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”
E ri-se Satanás!… e ri-se a orquestra,
E ri-se toda a fúnebre sinistra…
III
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
IV
Existe um povo que a bandeira empresta
Pr’a cobrir tanta infâmia e covardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!
Silêncio!… Musa!… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo!…
Mas é infâmia demais!… Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!…
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Este poema é uma obra-prima do movimento abolicionista brasileiro e continua a ser uma leitura poderosa e comovente até hoje.