Dom José Maria Pires, conhecido como “Dom Zumbi,” marcou profundamente a história do Brasil. Como o primeiro bispo negro do país, sua atuação transcendeu o âmbito religioso, impactando diretamente a luta contra a ditadura militar, o racismo estrutural e a intolerância religiosa. Figura emblemática da Igreja Católica, Dom José Maria foi um defensor incansável dos direitos humanos e da dignidade dos mais vulneráveis, especialmente das comunidades negras e empobrecidas.
Durante os anos sombrios da ditadura militar (1964-1985), Dom José Maria destacou-se como uma das vozes mais firmes contra as violações dos direitos humanos. Ele denunciou publicamente torturas, desaparecimentos forçados e perseguições políticas, colocando sua própria segurança em risco. Para ele, a Igreja não podia permanecer em silêncio diante da injustiça. Via no Evangelho um chamado para agir em favor dos oprimidos, tornando-se um aliado dos movimentos sociais e uma referência ética e moral em tempos de repressão.
Sua postura corajosa e solidária transformou-o em um símbolo de resistência. Por meio de sermões, encontros pastorais e documentos, Dom José Maria exortava a Igreja e a sociedade a defenderem a liberdade e a dignidade humana.
Uma das características mais marcantes de Dom José Maria foi sua abertura ao diálogo inter-religioso e sua valorização das tradições afro-brasileiras. Ele compreendia que a identidade do Brasil estava profundamente enraizada nas culturas africanas trazidas pelos escravizados, cujas expressões religiosas e culturais eram frequentemente alvo de preconceito.
Dom José Maria incentivou o respeito mútuo entre diferentes crenças, destacando a importância das religiões de matriz africana, como o candomblé, na construção da identidade nacional. Ele denunciava a intolerância religiosa e promovia iniciativas que aproximavam a Igreja Católica das tradições afro-brasileiras, fortalecendo a luta contra a exclusão e o racismo.
Como primeiro bispo negro do Brasil, Dom José Maria entendia com profundidade o impacto do racismo estrutural na sociedade. Ele usou sua posição de liderança para enfrentar práticas e discursos que perpetuavam desigualdades. Para ele, combater o racismo era parte essencial de sua missão religiosa, acreditando que a fé deveria ser um instrumento para promover justiça e igualdade.
Seu apelido, “Dom Zumbi,” remete ao líder quilombola Zumbi dos Palmares, reforçando sua conexão com a luta pela liberdade e os direitos dos afrodescendentes. Ele via a Igreja como um espaço de acolhimento e transformação, engajando-se em ações que empoderassem as comunidades negras e resgatassem sua dignidade.
“Desde a escola primária, quando fazia alguma coisa que pudesse merecer um castigo, sempre me recordavam que eu era negro, como se existisse uma associação entre a cor e a coisa mal feita. E foi assim durante toda a minha vida. Inclusive depois que me tornei bispo” – José Maria Pires
Dom José Maria Pires faleceu em 27 de agosto de 2017, aos 98 anos, deixando um legado de fé, coragem e compromisso com a justiça social. Sua vida é um testemunho do poder transformador do Evangelho e da força da solidariedade. Seu exemplo continua a inspirar líderes religiosos, ativistas e todos aqueles que lutam por um Brasil mais justo e igualitário.
“Serviço eclesial baseado na fé bíblica, que se põe ao lado das vítimas do latifúndio e da política oficial, seguindo a mesma inspiração de luta do povo de Deus em busca da Terra Prometida.” ― José Maria Pires
Relembrar sua trajetória é reconhecer que Dom José Maria foi mais do que um líder religioso; ele foi um verdadeiro profeta do nosso tempo. Como “Dom Zumbi,” dedicou sua vida à construção de uma sociedade onde a dignidade, a liberdade e o respeito fossem direitos de todos. A trajetória da Igreja, desde o Concílio Vaticano II até os dias atuais, entrelaça-se com a história da teologia da Libertação, a atuação da Pastoral Afro, como Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a figura de dom José. Todos esses elementos se amalgamam no legado militante forjado ao longo de seu percurso.
Campanha “Nossa Gente Negra” e a homenagem a Dom Zumbi
A campanha “Nossa Gente Negra”, promovida anualmente pela ComCausa desde 2020, celebra as contribuições históricas, culturais e sociais da população negra no Brasil, destacando figuras que marcaram a luta pela igualdade e pelos direitos humanos. Em 2024, a iniciativa homenageia Dom José Maria Pires, conhecido como Dom Zumbi, em referência ao líder histórico Zumbi dos Palmares.
Dom José Maria Pires foi um defensor incansável das comunidades afrodescendentes e um símbolo da resistência ao racismo e à exclusão social. Sua trajetória como arcebispo e líder religioso foi marcada pelo compromisso com a justiça social, a defesa da dignidade humana e a luta por uma sociedade mais igualitária. A escolha de seu nome como destaque da campanha reafirma a importância de reconhecer líderes que, com coragem e determinação, inspiraram gerações na construção de um Brasil mais inclusivo.
A campanha é feita nas redes de internet da ComCausa e matérias no Portal C3. Também como parte da homenagem, a ComCausa lançará uma página especial em seu site (comcausa.org.br/domzumbi), dedicada a Dom Zumbi e a outros ícones da resistência negra. Este memorial virtual terá o objetivo de preservar a memória dessas figuras históricas, promover reflexões sobre o impacto de suas ações e incentivar o engajamento na luta contra o racismo e pela igualdade de oportunidades.
A campanha “Nossa Gente Negra” busca não apenas lembrar o legado do passado, mas também reforçar o compromisso com a transformação social no presente, estimulando debates e ações que celebrem a cultura negra e promovam a justiça e a equidade.
Reflexão e compromisso no Dia da Consciência Negra
O Dia da Consciência Negra é um convite à reflexão sobre o legado de Zumbi dos Palmares e à luta contra o racismo e a desigualdade. A homenagem a Dom José Maria Pires fortalece o compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, valorizando a memória de grandes líderes que inspiram as novas gerações a seguirem no caminho da transformação social.
Imagem ilustrativa: Dom Hélder, Dom Luciano e Dom Zumbi: bispos e profetas de uma Igreja em saída – Portal Jesuítas Brasil
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