Temos geralmente referências negativas quando se fala na história das pessoas da Baixada Fluminense. Assim como o Brasil desconhecem seus heróis, aqueles que de verdade foram para as guerras, até aqueles que nos atos mais simplórios, conseguem mudar conjunturas. Sem contra argumentos, a Baixada passou a adotar como referência, pessoas como Tenório Cavalcanti, o “Homem da Capa Preta”, criminoso que controlava Duque de Caxias pela violência e exploração da miséria. Outro exemplo é o personagem fictício “mão branca”, que era usado por policiais para dificultar investigações quando começou a repressão aos grupos de extermínio que atuavam na Baixada.
Nos anos mais duros da repressão na Baixada Fluminense, poucos teriam a força de erguer a voz contra poderosos e perpetradores de violência que se associaram com a ditadura civil-militar a fim de promover controle social através da violência. Uma destas vozes – acredito a principal -, foi o Bispo Dom Adriano Hypólito. Seguindo as novas diretrizes da igreja após o ‘Concílio Vaticano Segundo’ fez opção pelos pobres e oprimidos da região. A diocese de Nova Iguaçu assim como a Diocese de Duque de Caxias, e a Mitra Diocesana de Barra do Piraí e Volta Redonda, foram o berço e a retaguarda e de milhares de militantes e movimentos sociais nestes anos difíceis.
Por conta de sua opção pela defesa dos direitos humanos, a Diocese de Nova Iguaçu foi atacada com ameaças, pichações, reprodução de falsa de seus jornais e até sofreu um atentado a bomba no Sacrário da Catedral de Santo Antônio. Dom Adriano foi caluniado e sequestrado, foi várias vezes ameaçado de morte e chegou a ser aconselhado, até por superiores, a deixar a Baixada, mas Dom Adriano resistiu. “Eu não ia dar esse gosto aos meus sequestradores. O sequestro, não tenho dúvidas, foi organizado por militares da linha-dura, mas o inquérito jamais apontou responsáveis. Fui encapuzado, algemado e levado num carro, que passou pelo menos duas vezes pela Vila Militar. Tiraram minha roupa e, depois de me baterem, me pintaram com um spray vermelho, sempre me acusando de ser comunista. Eu estava preparado para morrer, mas, como eles mesmos disseram, foi só uma lição” — contou dom Adriano Hypólito, em entrevista ao GLOBO publicada na edição de 13 de novembro de 1994. A finalidade era desconstruir sua imagem como líder humanístico e religioso. Dom Adriano também teve seu fusca foi levado até as proximidades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no bairro da Gloria, e explodido.
Em nossos anos de militância, encontramos pelo Brasil dezenas de pessoas que tiveram na Baixada Fluminense, em um período em que as referências negativas eram ainda mais fortes, a acolhida pela Igreja Católica, pelos movimentos sociais e principalmente pela força de do Adriano.
Por outro lado, realizamos várias homenagens à Dom Adriano, pois muito nos entristece perceber que, principalmente para os mais jovens, ainda sua história e figura é desconhecida.
Neste mês de agosto, completou 21 anos que a Baixada perdeu um dos seus maiores pastores. Aqueles que, como disse Gilney Vianna (ex-guerrilheiro que foi acolhido por Dom Adriano), “era um exemplo muito mais pelo que fazia do que pelo que falava. Era o pastor que andava com suas ovelhas mesmo na adversidade”.
Don Adriano é a referência da luta e daqueles que vencem sem necessariamente optar pela guerra. Nada mais justo que tenhamos em sua imagem o nosso ícone de referência positiva para luta para uma Baixada de paz e com respeito aos direitos humanos.
- Publicado no dia 14 de agosto de 2017.
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