Apesar de ter passado por uma revitalização há nove meses, o sítio arqueológico do Cais do Valongo ainda enfrenta problemas de manutenção e segurança. Nesta quarta-feira, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) assinou um contrato com um consórcio para alocar recursos que impulsionem a visitação a instituições culturais na Pequena África, localizada na Zona Portuária do Rio de Janeiro. No entanto, a decisão da Justiça Federal, na última sexta-feira, ordenou que a União implemente medidas urgentes para preservar o Cais do Valongo, reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco em 2017.
O novo contrato, no valor de R$ 20 milhões — sendo metade financiado pelo BNDES e o restante captado junto à iniciativa privada — não inclui obras no Cais do Valongo. Embora tenha passado por revitalizações recentes, o local ainda carece de melhorias em manutenção e segurança.
A Pequena África, área de forte herança negra, abriga marcos históricos como o Cemitério dos Pretos Novos e a Pedra do Sal, berço do samba carioca. O contrato “Viva Pequena África”, com duração de três anos, será celebrado no Espaço Cultural BNDES e visa fortalecer a valorização da memória africana na região. O consórcio escolhido para liderar o projeto, composto por entidades como o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) e o Instituto Feira Preta, captou R$ 7 milhões dos R$ 10 milhões previstos.
Marcelo Santos, secretário-executivo do Ceap, afirma que o primeiro passo será mapear instituições culturais na região. As organizações selecionadas receberão apoio financeiro, consultorias e planos de negócios sustentáveis para fortalecer suas atividades a longo prazo.
A sentença da Justiça Federal, que decorre de ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), aponta atrasos no cumprimento de obrigações pactuadas com a Unesco em 2017. A decisão enfatiza a necessidade de maior comprometimento do Estado com a preservação da memória histórica e a justiça social. Prazos para as exigências variam de 30 a 180 dias, incluindo a criação do Centro de Referência e Celebração da Herança Africana no prédio histórico de Docas Pedro II.
A revitalização do Cais do Valongo, finalizada em novembro de 2023, custou R$ 2 milhões e incluiu melhorias como sinalização educativa, painéis expositivos e novo guarda-corpo.
Falta de segurança e acessibilidade precária persistem no Cais do Valongo
Apesar das recentes intervenções, o Cais do Valongo ainda enfrenta problemas de acessibilidade e segurança, o que tem gerado críticas por parte de frequentadores da região. As rampas de acesso apresentam poças d’água devido à ausência de escoamento adequado, dificultando o deslocamento, especialmente para pessoas com deficiência. Além disso, na parte inferior do cais, há uma carência de painéis informativos em braile, sendo oferecida apenas uma maquete sensorial voltada para pessoas cegas.
A falta de segurança no local é uma das maiores preocupações de quem transita pela área. O mineiro Glaucus Mariano, que recentemente se mudou para o Rio de Janeiro, expressou sua apreensão:
— Trabalho perto. Por volta das 17h, dá medo passar pelo cais, principalmente pela falta de policiamento.
Outro ponto crítico é o estado do galpão Docas Pedro II, localizado em frente ao cais. Construído em 1870 pelo engenheiro negro André Rebouças, o prédio deveria ter sido transformado em Memorial da Herança Africana até 2019. No entanto, o local permanece abandonado, com janelas quebradas, tijolos soltos, sujeira e pichações, simbolizando o descaso com a memória histórica da região.
Em resposta, o Ministério da Cultura afirmou, em nota, que o Cais do Valongo está entre as prioridades da pasta e que foi criado o Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, um grupo interministerial responsável por conduzir o processo de revitalização. “O processo de revitalização está em curso, de forma cuidadosa, como o valioso patrimônio requer”, declarou o ministério.
Enquanto as promessas de revitalização seguem, os desafios de acessibilidade e segurança continuam a afetar o dia a dia de quem circula pelo Cais do Valongo, um dos marcos históricos mais importantes do Rio de Janeiro e do Brasil.