A cada pedrada na cabeça de uma criança, pelo fato de estar usando vestimentas seguindo a sua tradição religiosa, a sociedade vai desconstruindo décadas de lutas pelo entendimento que o Brasil foi formado por uma imensa diversidade de cultos e fé.
Apesar de ser majoritariamente cristão – o Brasil é país mais católico do mundo, com cerca de 126 milhões de pessoas que confessam está fé –, temos uma grande diversidade religiosidade por conta dos povos que construíram esta nação com seu grande patrimônio cultural.
Destacamos que, apesar da grande diversidade religiosa do Brasil, a maioria dos ataques de ódio está sendo direcionados para as religiões de matriz africana. Tendo como braço armado as quadrilhas de narcotraficantes e milicianos que usam do argumento de uma falsa conversão – muitas delas feitas inclusive no período do cárcere desses -, que, ao retornarem as comunidades, agredirem não somente as pessoas, mas até mesmo promovem a destruição de templos religiosos. Barbárie orgulhosamente promovida em fotos e vídeos de redes sociais na internet pelos criminosos que usam o nome de Deus, junto com falsos líderes religiosos, para consolidar a sua predominância de controle territorial.
Não podemos deixar de destacar que por trás também de toda esta intolerância religiosa, está alicerçada ao racismo enraizado na sociedade do maior país escravagista do mundo. O Brasil que, por durante 300 anos traficou pessoas majoritariamente da África. Alicerçando a economia nacional na exploração violenta do trabalho e, paralelamente, de todas as formas, tentando aniquilar sua cultura, principalmente a sua fé para minar qualquer forma de resistência.
Não se pode aceitar como normal a violência ou exclusão, por qualquer tipo de segmento da sociedade, pela intolerância á fé confessada pelo próximo. Principalmente quando essa incitação ao ódio está muito mais baseada no cálculo venal, no controle da região e de votos, no que na discordância religiosa.
Tristemente nos últimos meses fomos testemunhas, principalmente na Baixada Fluminense, do quanto a intolerância, associado à ganância de falsos líderes religiosos, associados ao crime e de grupos de narcotraficantes de drogas e milícias, pode, em pleno século 21, ser tão cruel. Colocando a sociedade do Rio de Janeiro em situação de constrangimento e indignação. O estado que foi uma das principais portas de entrada de povos que – mesmo sob violência – trouxeram e manteram suas culturas e religiões para compor nossa diversidade não pode se omitir diante do desrespeito.
Mas houve reação em vários segmentos – religiosos ou não -, que se unem contra a violência injustificada. São diversas vozes que promovem a promoção do amor conforme esta filosoficamente embasada na grande maioria das religiões do mundo. Religiões que ajudaram acolher os diversos povos que vieram para o Brasil, de maneira voluntária ou não. Por outro lado, mesmo depois de tantos anos foi necessário criar mecanismos jurídicos para enfrentar esta situação.
Mas estamos em um mês especial, 07 de janeiro é ‘Dia da Liberdade de Cultos’, dia 27 é o ‘Dia Mundial das Religiões’ e 30 ‘Dia da Não Violência’. Datas que celebram a liberdade que todos os brasileiros têm de exercer as suas crenças de modo livre e sem qualquer tipo de perseguição. Entretanto, enquanto a sociedade não toma isso como uma cultura de direitos, temos que buscar novos ornamentos jurídicos para que o ‘principio educativo da norma’ contribua para outro entendimento das pessoas. Assim, tivemos publicada neste mês a Lei 7.855/18 – proposta pelos parlamentares André Ceciliano e Carlos Minc – que tipifica a ação de atentado contra templos religiosos – com base legal no artigo 208 do Código Penal Brasileiro -, como um ato de Intolerância, ‘Crime Contra o Sentimento Religioso’. Além de possibilitar o mapeamento de incidências pelas instituições de direitos humanos e segurança pública.
Para além do positivismo das normas, as pessoas ainda devem buscar o entendimento que os direitos humanos são a materialização da vontade de Deus na terra. E as religiões são exatamente os principais canais de promoção de uma cultura de paz, pois o princípio é que somos iguais na diferença e que devemos amar ao próximo como a si mesmo.
| Adriano Dias – fundador da ComCausa
| Publicado originalmente no Jornal de Hoje, janeiro de 2018.