Caso Hanry Silva Gomes completa 32 anos

Caso Hanry Silva Gomes

O assassinato de Hanry Silva Gomes da Siqueira, aos 16 anos, em 21 de novembro de 2002, no Morro do Gambá, Zona Norte do Rio de Janeiro, não apenas devastou sua família, mas também gerou uma longa batalha judicial e social contra as práticas de violência policial nas comunidades periféricas. O caso, que completa 32 anos em 2024, simboliza não só a perda irreparável de uma jovem vida, mas também a luta incessante de sua mãe, Márcia de Oliveira Silva Jacintho, pela verdade, justiça e reparação. Hanry foi morto por policiais militares durante uma operação no morro, e a versão oficial, amplamente desacreditada, acusava-o de ser um traficante envolvido em um tiroteio.

No dia 21 de novembro de 2002, Hanry estava indo para casa após um dia comum. Ele e um amigo foram abordados por policiais do 23º DP e do 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), que alegaram que ele estava envolvido em um confronto armado. A narrativa policial, como tantas outras em casos semelhantes, era de que Hanry teria reagido à abordagem e, ao fazer isso, teria sido abatido por um disparo de arma de fogo. Além disso, os policiais alegaram que ele estava portando drogas e uma pistola. A versão dizia que ele estava em uma área controlada por traficantes e teria reagido violentamente.

Entretanto, a mãe de Hanry, Márcia, nunca acreditou nessa versão. Desde o início, ela soubera que havia algo errado, especialmente ao ver as contradições no relato policial e à ausência de provas que comprovassem a acusação de envolvimento de seu filho no tráfico. A narrativa policial tentava mais uma vez justificar uma execução sumária com base em um estereótipo racial e social sobre os moradores de favelas.

A investigação e as provas recolhidas por Márcia

Márcia, movida pela dor e pela busca pela verdade, iniciou sua própria investigação. Sem nenhum apoio inicial das autoridades e temendo retaliações, ela começou a coletar informações com moradores da comunidade, tirando fotos do local onde o corpo de seu filho foi encontrado e gravando depoimentos de testemunhas. As fotos mostraram o rastro de sangue deixado pelo corpo e também evidenciaram a falácia da alegação policial sobre a reação de Hanry com armas de fogo.

Em um depoimento crucial, um morador revelou que viu os policiais no momento em que retiraram um lençol do varal de uma casa e se dirigiram para o mato, onde estavam escondendo algo. Também surgiu o depoimento de um menino que estava na área e que, antes da execução, foi forçado a correr dos policiais, o que indicava que o assassinato foi premeditado. No entanto, o maior apoio veio de um traficante que, embora estivesse ciente das consequências de sua ajuda, confirmou que Hanry não estava envolvido com o tráfico e relatou que o policial responsável pelo disparo fatal confessou o crime.

Com esses relatos, Márcia fez denúncias no Ministério Público, e com a ajuda de um advogado especializado em direitos humanos, iniciou o processo judicial contra os policiais responsáveis pela execução de seu filho.

A batalha judicial e a condenação dos policiais

O processo judicial levou anos de luta, mas, em 2006, dois policiais foram denunciados formalmente: o cabo Marcos Alves da Silva e o 3º tenente Paulo Roberto Paschuini, o qual confessou ser o autor do disparo fatal. Durante a apuração, os policiais tentaram sustentar a versão do confronto armado, mas a narrativa de Márcia, baseada em provas concretas, começou a prevalecer.

Em 2007, os dois policiais foram finalmente pronunciados por homicídio doloso e fraude processual. A denúncia formal indicava que eles haviam plantado evidências e forjado o confronto para justificar o assassinato. Em 2019, o julgamento resultou na condenação de Paschuini a 11 anos de prisão em regime fechado, e Marcos Alves da Silva, que havia ajudado a encobrir o crime, foi condenado a três anos de prisão. A decisão foi um alívio para Márcia, mas ela sabia que a luta não havia terminado.

A indenização e os desafios na reparação

Embora Márcia tenha obtido a condenação dos policiais, a reparação financeira ainda é um tema de batalha. Em 2009, uma decisão judicial determinou que o estado do Rio de Janeiro pagasse uma indenização de R$ 300 mil para a mãe de Hanry e R$ 150 mil para suas irmãs. No entanto, o estado recorreu da sentença e, apesar de ter sido condenado a pagar, nunca cumpriu a determinação de forma integral.

Márcia recebeu apenas 30% do salário mínimo como forma de compensação, e o pagamento foi parcelado, com previsão de término só em 2054. Para ela, a quantia é simbólica e não representa o valor da perda de um filho. “Não é uma reparação, mas uma tentativa de compensação monetária. Jamais substituirá a dor de perder um filho de forma tão brutal”, afirma Márcia.

O legado de Hanry e o combate à violência policial

A luta de Márcia por justiça é mais do que um esforço para indenizar a perda de seu filho. Ela se tornou uma ativista incansável contra a violência policial e o racismo institucional que vitimam as comunidades periféricas do Rio de Janeiro, especialmente as favelas. Ao longo dos anos, Márcia tem sido uma voz ativa nas campanhas contra a violência policial, buscando alertar a sociedade e as autoridades sobre as práticas ilegais e abusivas de policiais militares.

Além disso, ela tem se juntado a outros movimentos de mães e familiares de vítimas de violência policial, buscando fortalecer a rede de apoio e promover uma mudança estrutural no tratamento das periferias. Para Márcia, é imprescindível que o sistema de segurança pública seja reformado, que a responsabilidade dos agentes de segurança seja garantida e que as vítimas de violência policial possam contar com justiça.

Lembrando estes anos de luto, mas também de resistência, Márcia Jacintho segue como um símbolo de luta pela justiça e pela memória de seu filho Hanry. A história de sua batalha pessoal e judicial é um reflexo das lutas de tantas outras mães que, no Brasil, enfrentam a violência policial e a falta de compromisso do Estado com a verdade e a reparação. A morte de Hanry, marcada por um assassinato brutal e uma tentativa de encobri-la, segue viva como um grito contra a violência estatal, contra o racismo e contra a impunidade. A luta de Márcia continua e, com ela, a luta de todas as famílias afetadas pela violência do Estado.

No dia 20 de março de 2012, uma da audiências do julgamento do ex PM Paulo Roberto Paschuini, a ComCausa esteve no Fórum do Rio e gravou um depoimento de Márcia Jacintho.https://www.youtube.com/watch?v=_kKd1mDO_IE

JulgamentoApós uma verdadeira batalha e uma longa peregrinação em busca de provas, Márcia Jacintho, dilacerada pela dor e indignada com a opressão e a injustiça, conseguiu marcar duas importantes vitórias contra a violência policial nas favelas e bairros populares da cidade do Rio de Janeiro: provou que o filho não tinha envolvimento com o tráfico de drogas e, no dia 2 de setembro de 2008, quase seis anos após o crime, se iniciou a ação judicial.



Somente em 2019 o ex-policial militar Paulo Roberto Pashuini que confessou ter sido o autor do disparo, foi condenado a 11 anos de prisão em regime fechado por fraude processual e assassinato do estudante Hanry Silva Gomes de Siqueira. O outro réu do caso, Marcos Alves da Silva, foi condenado a três anos de prisão, acusado de ter forjado provas para “justificar” a ação policial. Um revólver teria sido colocado em uma das mãos da vítima, assim como um saco com maconha próximo ao corpo. A mãe de Hanry afirma que Silva já estava preso por assalto à mão armada, num processo em que foi condenado em 1998 e que “era para ele estar preso no dia que matou meu filho”, disse.

Na sentença, a juíza Tula Corrêa de Mello afirma que o réu “praticou os fatos na condição de policial militar à época do crime, em violação aos deveres inerentes a seu ofício e dever de zelar pela segurança, pela ordem pública e pela vida dos cidadãos, conforme que lhe é confiado pela sociedade e pelo Estado, que dispendeu recursos na sua preparação e qualificação para atuar justamente no combate a crimes”.

Minha missão

“O choro não vai aliviar os gritos de ‘por quê?’ aqui dentro, que chegam a fazer doer no peito. Mas minha missão foi cumprida. O nome do meu filho foi limpo”, resume Márcia. Para conseguir o feito, ela largou o emprego de vendedora e fez denúncias ao governo do Estado, ao Ministério Público, às corregedorias de polícia, ao então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, e até à Organização das Nações Unidas (ONU).

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