O nome do antropólogo, escritor e educador Darcy Ribeiro foi recentemente inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, um dos mais altos reconhecimentos no Brasil, reservado para aqueles que contribuíram de maneira singular para o desenvolvimento e identidade da nação. Conhecido por sua militância intelectual e política, Darcy deixa um legado marcante em áreas como educação, cultura e na defesa de um Brasil soberano e atento às suas especificidades.
Darcy Ribeiro, figura central no cenário intelectual brasileiro do século XX, foi mais do que um antropólogo e educador. Ele se via como um “homem de partido e de fé”, que fazia ciência e política impulsionado por razões éticas e um profundo patriotismo. Sua vida e obra refletem um compromisso firme com a emancipação do Brasil, a inclusão social e a luta contra as estruturas de opressão que marcaram a história latino-americana.
No prefácio de sua obra mais célebre, O Povo Brasileiro, Darcy afirma: “Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira influir sobre as pessoas, que aspira ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo”. Essa postura ativa e apaixonada, que refuta a pretensa neutralidade científica, é emblemática de seu estilo único e corajoso.
A Educação como Pilar de Transformação Social
Como idealizador dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) ao lado de Leonel Brizola, Darcy propôs uma visão transformadora para a educação no Brasil. Com os CIEPs, ele introduziu uma política de educação pública integral e inclusiva que visava atender as crianças em sua totalidade, oferecendo não apenas ensino, mas também alimentação, saúde e cultura.
Além disso, Darcy foi um dos principais articuladores da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, instrumento que orienta o sistema educacional brasileiro. A criação da Universidade de Brasília (UNB), que ele fundou com o objetivo de descentralizar o pensamento social e científico, foi um marco em seu compromisso com uma educação plural, inovadora e que refletisse as realidades e desafios brasileiros. Darcy acreditava que a educação deveria formar cidadãos conscientes e críticos, capazes de atuar na transformação do país.
Um Pensador Anti-imperialista e Nacionalista Popular
A obra e a vida de Darcy Ribeiro são marcadas por seu combate ao imperialismo e pelo apoio a um nacionalismo popular. Para ele, o desenvolvimento da América Latina estava ligado à resistência contra a dominação estrangeira e à criação de uma identidade própria, que não fosse subordinada a padrões e valores eurocêntricos. Ele era implacável na análise das relações internacionais e das estruturas de dependência que limitavam a autonomia do Brasil e de seus vizinhos.
Gilberto Vasconcellos, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o pensamento de Darcy representava uma “preocupação com o sentido histórico do país, sua inserção na divisão internacional do trabalho, suas mazelas e seus obstáculos para converter-se em uma nação soberana”. Para Darcy, as questões nacionais não podiam ser ignoradas em prol de uma visão universalista: o Brasil precisava encontrar um caminho próprio, respeitando suas especificidades culturais e sociais.
Uma Vida de Luta e Alianças pela América Latina
Além de sua atuação no Brasil, Darcy Ribeiro foi conselheiro de líderes latino-americanos como João Goulart (Jango), Leonel Brizola, Salvador Allende, Velasco Alvarado e Eduardo Galeano, este último um escritor uruguaio influenciado profundamente pelo pensamento de Darcy. Com esses líderes, Darcy compartilhava uma visão de soberania e independência para os povos da América Latina, pautada pela defesa das riquezas nacionais contra o controle externo e a luta por melhores condições de vida para a população.
Para ele, o “antagonismo entre Terceiro Mundo e imperialismo” era uma questão central, que superava o conflito de classes tradicional nos países mais avançados. Darcy defendia que, para que o Brasil e a América Latina pudessem prosperar, era necessário um esforço coordenado de resistência contra o imperialismo e uma política que colocasse os interesses nacionais acima de tudo.
Darcy, Hoje e Sempre: Uma Inspiração Atual
A inscrição de Darcy Ribeiro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria ocorre em um momento no qual o Brasil enfrenta grandes desafios sociais, políticos e institucionais. Suas ideias sobre educação, justiça social e independência nacional ressoam com uma força renovada, oferecendo uma visão de esperança para aqueles que ainda acreditam no potencial de um Brasil mais justo, autônomo e democrático. Em tempos de crise, sua trajetória serve de inspiração para as novas gerações, que podem encontrar no pensamento de Darcy um guia para um futuro de igualdade e respeito às especificidades culturais do Brasil.
O Brasil homenageia hoje o seu “Professor da Nação”, um herói cuja visão foi e continua sendo essencial para a construção de um país que compreenda, celebre e valorize a si mesmo e o seu povo.
Sua morte:
Darcy Ribeiro pediu a extrema unção de Leonardo Boff, em uma das mais lindas visões de Deus.
Darcy – “Quero discutir com você o tema da morte, porque estou enfrentando a morte, meu grande último desafio.”
Em seguida faz Boff ler o prefácio do, então inédito, Confissões, livro no qual Darcy faz uma leitura da vida. E Boff leu o seguinte:
“Pena que a vida , tão carregada de lutas e fracassos, e vitórias, e vontade de trabalhar, seja marcada por uma profunda desesperança, porque nós voltamos, através da morte, ao pó cósmico, ao esquecimento e ficamos na memória que é curta e só de algumas pessoas, e voltamos à diluição cósmica.”
Então ao final da leitura Boff diz:
Boff – “Darcy, acho que é uma interpretação de quem vê de fora. É como você ver a borboleta, e ver o casulo. Você pode chorar pelo casulo que foi deixado para trás e ver que ele morreu. Mas você pode olhar a borboleta e dizer: “Não, ele libertou a borboleta, e ela é a esperança de vida que está dentro do casulo”.
Boff continua – “Darcy, deixa te dizer como imagino tua chegada , o teu grande encontro. Não vai ser com Deus Pai porque para você Deus tem de ser Mãe, tem de ser mulher…” (risos)
Darcy – “Então vai ser uma Deusa”
Boff – “Imagino assim: que Deus, quando você chegar lá em cima, vai te dizer com os braços abertos: “Darcy, como você custou para chegar, eu estava com uma saudade louca de você, finalmente você veio, você não queria vir, você teve de vir e agora chegou.” E te abraça, te afaga em seu seio, e te leva de abraço em abraço, de festa em festa”
Darcy – “De farra em farra…” (risos)
Boff – “Isso será pela eternidade afora”
Boff narra que nesse momento Darcy parou, olhou de lado, como que o interrogando e disse:
Darcy – “Como gostaria que fosse verdade! Minha mãe morreu cheia de fé e morreu tranqüila, eu invejo você, que é um homem inteligente e de fé. Eu não tenho fé. Como gostaria que fosse verdade”
Boff conta que aí lhe correu uma lágrima e ele ficou silencioso, estremeceu e teve um acesso de diabetes, uma queda muito grande de pressão e tiveram de levá-lo.
Boff – “Darcy não se preocupe com a fé, porque Deus não se incomoda com a fé. pelos critérios de Jesus, quem tem amor tem tudo. Então quando agente chega na tarde da vida como você, que atendeu os famintos como você, crianças abandonadas como você, índios marginalizados como você; negros que você defendeu, as mulheres oprimidas, desde o neolítico ninguém louvou a mulher quanto você – quem fez isso ganha tudo, porque optou pelos últimos, por aqueles que estavam em necessidade. Quem fez isso tem o Reino, tem a eternidade, tem Deus. E você só fez isso.”
Darcy respirou e disse: “Puxa, mas tem de ser verdade”.
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