O Dia Nacional de Combate ao Racismo, celebrado em 18 de novembro, é uma data que nos convida à reflexão sobre as consequências devastadoras do racismo na sociedade. A data não apenas serve como um marco para lembrar o sofrimento histórico das populações negras, mas também para questionar como o racismo estrutural ainda molda as nossas realidades contemporâneas.
Um dos aspectos mais dolorosos do racismo é o legado da escravidão, e é importante revisitar histórias como a de William McWhorter, um homem negro que vivenciou as atrocidades da escravidão no sul dos Estados Unidos. Em 1938, aos 78 anos, McWhorter relatou suas experiências de vida durante a escravidão em uma entrevista conduzida pelo Projeto Federal de Escritores, uma iniciativa do governo dos Estados Unidos durante a administração de Franklin D. Roosevelt. O projeto foi criado como parte de um esforço para reviver a economia americana após a Grande Depressão, mas, ao mesmo tempo, ofereceu uma oportunidade para resgatar as memórias dos sobreviventes da escravidão, muitos dos quais estavam próximos da morte.
O medo da educação negra na escravidão
Em um trecho impactante de seu depoimento, McWhorter descreve a brutalidade da escravidão ao detalhar as punições sofridas pelos negros que ousavam aprender a ler e escrever. Ele relata que, para os brancos da época, ensinar um negro a ler era uma ofensa gravíssima. “Meu Deus, minha senhora, nunca ninguém lhe contou que era contra a lei ensinar um negro a ler e a escrever nos tempos da escravidão? Os brancos lhe cortavam a mão fora por essas mais do que por quase qualquer outra coisa”, disse McWhorter. A descrição que ele faz revela a extrema repressão à educação e ao saber entre os negros durante o período escravagista, quando até mesmo o ato de aprender a ler e escrever era considerado uma ameaça ao sistema de opressão.
Essa violência se concretizava de formas insanas. McWhorter continua: “Ora, senhora, um negro sem mão não ia ter como trabalhar muito, e o dono não ia conseguir vendê-lo por um preço nem parecido com o que ganharia por um escravo com mãos boas. Eles só espancavam ele a valer quando o pegava estudando como se faz para ler e escrever”. A proibição da educação não era apenas uma estratégia de controle social, mas também uma tentativa de impedir que a população negra se tornasse ciente de sua opressão e, eventualmente, se rebelasse contra ela.
O Projeto Federal de Escritores: Recuperando a história de vidas devastadas
O Projeto Federal de Escritores, que coletou mais de 2 mil narrativas entre 1936 e 1938, tem um valor histórico imenso. Essas histórias documentam as experiências de centenas de ex-escravizados que viveram em um país profundamente racista e brutal. As entrevistas, que foram em grande parte realizadas com pessoas já idosas, estavam, na época, longe de serem publicadas, mas o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 1970, fez com que esse material fosse resgatado. O fortalecimento da luta por direitos iguais à comunidade negra gerou uma nova necessidade de revisitar o passado escravagista para compreender as raízes profundas do racismo.
As narrativas colhidas durante o Projeto Federal de Escritores ajudam a lançar luz sobre o cotidiano brutal dos negros na escravidão e, ao mesmo tempo, fornecem uma janela para as atrocidades cometidas por um sistema de exploração e desumanização. A importância desse material não se limita ao estudo do passado, mas também serve como ferramenta de resistência e de conscientização para as futuras gerações.
A continuidade do racismo e a luta pela igualdade
Hoje, quase 100 anos após essas narrativas terem sido recolhidas, os relatos de McWhorter e de muitos outros continuam a ecoar. O racismo estrutural, em várias formas, ainda permeia a sociedade, desde as práticas discriminatórias nos ambientes de trabalho até a violência policial contra a população negra. No Brasil, como nos Estados Unidos, as marcas da escravidão continuam a afetar profundamente a vida de negros e negras.
O livro Nascidos na Escravidão: Depoimentos Norte-Americanos, lançado pela editora Hedra, oferece uma seleção desses relatos como uma forma de lembrar aos brasileiros do peso da escravidão e da luta histórica da população negra. O material, atualmente disponível no site da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, representa um dos mais importantes acervos para o entendimento da brutalidade da escravidão e do racismo sistêmico, que persiste até hoje.
No Dia Nacional de Combate ao Racismo, é essencial refletir sobre esse legado, reconhecer os horrores do passado e continuar a luta por um futuro mais justo e igualitário. A resistência negra ao longo da história, seja nas palavras de McWhorter ou nas ações contemporâneas, deve ser um ponto de partida para transformações profundas na sociedade.
Leia também:
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________
Compartilhe: