Na madrugada de 30 de março de 1972, um dos maiores desastres industriais do Brasil aconteceu na Refinaria Duque de Caxias (REDUC), controlada pela Petrobras.
O que começou como um vazamento de gás liquefeito de petróleo (GLP) transformou-se em uma série de explosões catastróficas, descritas pelo Jornal A Notícia como “o fim do mundo”. Oficialmente, os números divulgados pelos militares — já que o país vivia sob a Ditadura Civil-Militar — registraram 42 mortos e 40 feridos. No entanto, moradores e ex-funcionários denunciam manipulação, afirmando que o número real de vítimas ultrapassa 70 mortes.
A noite do apocalipse
Por volta das 0h50, a primeira e mais violenta explosão sacudiu a região, seguida por outras duas às 1h30 e 2h30. A força das detonações foi tão intensa que fragmentos dos tanques foram lançados a quilômetros de distância. O céu, antes escuro, iluminou-se completamente, tingido de vermelho, visível até em Mesquita e no Leblon. As chamas atingiram 300 metros de altura, e o clarão podia ser visto em boa parte do Rio de Janeiro.
Na Zona Norte, os moradores sentiram tremores semelhantes a um terremoto. Vidraças de casas e prédios no centro de Duque de Caxias estilhaçaram-se com a onda de choque. Próximo à refinaria, portas de lojas foram arrancadas, árvores carbonizadas, paredes desabaram. O cenário era de destruição total.
Fuga desesperada e caos
O bairro de Campos Elíseos, vizinho à REDUC, transformou-se em uma zona de guerra. Moradores saíram correndo em pânico, muitos ainda de pijama, carregando crianças no colo. Um trem que chegava à estação de Mongaba foi invadido por dezenas de pessoas tentando escapar. Na Rodovia Washington Luís, motoristas que viajavam para o feriado da Semana Santa abandonaram seus carros e fugiram a pé, sem destino certo. Alguns só pararam em Petrópolis.
Luta impossível contra o fogo
A primeira guarnição a chegar, do Corpo de Bombeiros de Campinho, pediu reforços imediatos. A temperatura ultrapassava 100°C, tornando impossível a aproximação sem risco de novas explosões. No total, 15 guarnições (incluindo equipes do Méier, Ramos e Quartel Central) lutaram contra as chamas, usando jatos de espuma e alertando civis para se jogarem no chão caso as labaredas se elevassem.
Na explosão das 2h30, até os socorristas tiveram que fugir. O Jornal do Brasil descreveu:
“O dia amanheceu de noite: um cogumelo de fumaça iluminou a rodovia. Não houve gritos — se alguém gritou, a explosão falou mais alto. Todos queriam ajudar, mas como? A cada detonação, labaredas rasteiras consumiam tudo em 20 metros.”
Corpos carbonizados e trauma sem fim
Os feridos enfrentaram queimaduras gravíssimas, exigindo cirurgias plásticas, enxertos de pele e meses de internação. Muitos nunca se recuperaram psicologicamente. O primeiro morto identificado foi Geraldo Bastos, 27 anos, encanador de Brás de Pina, atingido por destroços.
Hospitais lotados (Getúlio Vargas, Carlos Chagas, Souza Aguiar) e 150 soldados do Exército isolaram a área — afastando até médicos e jornalistas, pois Duque de Caxias era “Área de Segurança Nacional”.
Heróis anônimos e a catástrofe maior evitada
O encanador José Augusto Valente subiu em uma esfera de gás para abrir válvulas de segurança, evitando uma explosão horizontal que poderia destruir toda a região. Se outros tanques tivessem sido atingidos, metade de Duque de Caxias teria sido varrida do mapa.
Negligência e injustiça
A REDUC nunca orientou a comunidade sobre riscos. Hoje, moradores de Campos Elíseos sofrem com câncer por contaminação do solo e água, conforme estudos da Fiocruz e ONG SCC. Enquanto a refinaria gera um dos maiores PIBs da Baixada, a população vive com um dos piores IDHs.
A pergunta permanece: Quantas vidas ainda serão perdidas — lentamente, pela poluição, ou em outra explosão? A REDUC continua uma bomba-relógio, e o povo, refém do lucro alheio.
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