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Memória: 50 anos do golpe militar no Chile

Em 11 de setembro de 1973, as forças militares chilenas, sob o comando de Augusto Pinochet, depuseram o governo liderado pelo socialista Salvador Allende, iniciando assim um período de ditadura militar extremamente brutal.

Na manhã daquele mesmo dia, um locutor da Rádio Corporación, com voz trêmula, anunciou: “Aviões da Força Aérea chilena atacaram o edifício da Rádio Corporación. Isso implica que devemos nos preparar para confrontos em todas as fábricas. Todos os sindicatos devem entrar em contato com os cinturões industriais, que, por sua vez, devem se conectar com a central sindical única CUT, a fim de se prepararem para o que está por vir.

O ponto crucial neste momento, camaradas, é que o povo permaneça unido, independentemente das circunstâncias! Cada fábrica, cada área rural, cada bairro carente deve se tornar uma fortaleza popular. No entanto, é essencial que mantenhamos a calma, pois somente assim estaremos aptos para enfrentar o futuro. Mesmo diante disso tudo, é vital que mantenhamos a mente lúcida e o espírito ardente.”

Os militares haviam cercado todas as zonas industriais de Santiago, apoiados por armamento pesado. Salvador Allende havia se recusado categoricamente a atender às demandas da extrema esquerda para armar os trabalhadores. Como o primeiro marxista democraticamente eleito como chefe de Estado e líder de um país ocidental, Allende acreditava profundamente na preservação dos valores e tradições democráticas.

Ele até tinha obtido votos dos democratas-cristãos para chegar ao poder e nomeou o General Augusto Pinochet como chefe do Exército e comandante-em-chefe da maior das três forças armadas.

No entanto, Pinochet liderou o golpe militar de 11 de setembro, que chocou o mundo não apenas por sua brutalidade. O Chile era considerado um exemplo de estabilidade democrática, inclusive com militares subordinados ao poder civil. Até o final, Allende acreditou na lealdade de seus oficiais.

Poucas semanas antes do golpe, Allende orgulhosamente descreveu o Chile sob seu governo como: “Um país onde a vida pública é regida por instituições civis que se baseiam em Forças Armadas altamente profissionais e profundamente democráticas; um país com quase dez milhões de habitantes que produziu dois laureados com o Prêmio Nobel de Literatura em uma única geração, Gabriela Mistral e Pablo Neruda, ambos nascidos de famílias humildes”.

Heinrich Böll, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1972, questionou poucos dias após os eventos de 11 de setembro: “Quem foi realmente libertado por esse golpe? As tentativas desavergonhadas da imprensa mundial em justificar o golpe no Chile como uma espécie de medida preventiva necessária, as suspeitas pessoais e políticas contra Salvador Allende e as previsões sombrias de uma iminente catástrofe econômica no Chile – nada disso apagará o fato de que a legalidade foi violada no Chile, que o terror, a tortura, a xenofobia prevaleceram e que a queima de livros foi considerada uma virtude. São os carrascos que alegam manter a paz e a ordem lá.”

De fato, os militares chilenos, que aparentemente eram defensores da democracia, agiram como carrascos. O golpe de Pinochet foi politicamente celebrado pelo governo dos Estados Unidos de Richard Nixon, que também forneceu apoio logístico. O golpe de 11 de setembro de 1973 marcou o trágico fim da política externa dos EUA contra Allende, que enfrentava a oposição de Washington desde o início de seu mandato.

Poucos dias após a posse de Allende, os Estados Unidos lançaram suas reservas de cobre no mercado global, levando a uma rápida queda no preço do principal produto de exportação chileno. Isso tornou praticamente impossível financiar as reformas sociais propostas por Allende. A única reforma concretizada foi a distribuição gratuita de meio litro de leite diariamente para todas as crianças chilenas até os 8 anos.

Operação Condor

Durante os anos 70, Pinochet desempenhou um papel central na Operação Condor, uma iniciativa de repressão, tortura e extermínio de militantes de esquerda envolvendo seis ditaduras sul-americanas, incluindo a brasileira, com o apoio político e logístico dos EUA. A Escola das Américas, fundada pelos EUA, treinou militares latino-americanos em táticas de tortura e assassinato durante a Guerra Fria. Entre os apoiadores notáveis de Pinochet estavam Henry Kissinger, Ronald Reagan, Milton Friedman e Margaret Thatcher, que expressou profunda tristeza com a morte do ditador.

Essa manifestação de Thatcher ilustra o significado da ditadura de Pinochet. Com o respaldo de economistas da Escola de Chicago, liderados por Milton Friedman, o governo militar chileno adotou o neoliberalismo de forma radical, o mesmo modelo que se tornou dominante sob os governos de Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher no Reino Unido. Ambos os países apoiaram a ditadura chilena e ignoraram os crimes de Pinochet em nome da “vitória do mundo livre” na região. Após a suposta “liberdade” ser alcançada, o Chile iniciou um amplo processo de privatização que serviu como modelo para outros países da região. Pinochet personificou o cinismo e a hipocrisia desse modelo, que falava em liberdade durante o dia e apoiava torturas e assassinatos à noite.

A ditadura de Pinochet no Chile resultou em mais de 40 mil mortes, entre execuções, desaparecimentos e torturas. Esse número oficial de vítimas pode ser ainda maior, chegando a estimativas de mais de 100 mil quando se consideram grupos não documentados.

Sem julgamento

Pinochet morreu aos 91 anos, após sofrer um enfarte no Hospital Militar de Santiago, enquanto enfrentava quatro processos por violações dos direitos humanos e outros dois por enriquecimento ilícito. Problemas de saúde impediram que fosse julgado pelo seu papel durante a ditadura.

No fim da vida, Pinochet conseguiu evitar a prisão. Na lista interminável de processos movidos contra ele no Chile, ficaram diversas questões em aberto sobre sua responsabilidade direta em inúmeras atrocidades. Seu falecimento, em última análise, impediu que enfrentasse um julgamento completo e a possível condenação por seus crimes contra a humanidade.

O regime de Pinochet deixou uma cicatriz profunda na história do Chile e na memória do povo chileno. As feridas causadas pela repressão brutal, pela tortura e pelos desaparecimentos forçados continuam a ser sentidas por muitas famílias até os dias de hoje. A busca por justiça e a preservação da memória das vítimas ainda são temas importantes na sociedade chilena.

O legado de Pinochet também deixou marcas duradouras na política e na economia chilenas. A sua implementação do neoliberalismo influenciou profundamente o país, criando uma divisão econômica e social significativa. Embora tenha havido um retorno à democracia no Chile em 1990, as consequências políticas e sociais do regime de Pinochet ainda são debatidas e enfrentadas.

O Chile, ao longo dos anos, tem trabalhado para fortalecer suas instituições democráticas e para garantir que os abusos cometidos durante a ditadura não se repitam. O reconhecimento dos crimes contra os direitos humanos e a busca pela justiça continuam sendo desafios importantes para a sociedade chilena, à medida que ela enfrenta o legado doloroso de Pinochet.

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Adriano Dias

Jornalista militante e fundador da #ComCausa