Faleceu nesta terça-feira, 15 de abril de 2025, em São Paulo, aos 92 anos, Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito da Diocese de Blumenau. A notícia foi recebida com grande pesar por comunidades católicas e movimentos sociais de todo o país, que reconhecem nele uma liderança pastoral marcada pelo compromisso com os pobres, a justiça social e os direitos humanos.
Nascido em 1933, em Saltinho (SP), Dom Angélico foi ordenado sacerdote em 1959 e nomeado bispo auxiliar de São Paulo em 1974, durante o regime militar. Atuou de forma destacada junto às pastorais sociais, comunidades de base e movimentos populares, sendo uma das vozes mais firmes da ala progressista da Igreja Católica. Em 2000, assumiu como o primeiro bispo da recém-criada Diocese de Blumenau (SC), onde permaneceu até sua aposentadoria em 2009.
Mesmo após deixar o governo pastoral da diocese, manteve-se atuante na defesa de causas sociais e democráticas. Em 2022, celebrou o casamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Rosângela da Silva, demonstrando sua proximidade com lideranças populares e seu engajamento nas lutas por um país mais justo.
Nota da Diocese de Blumenau
Com profundo pesar, a Diocese de Blumenau comunica o falecimento de Dom Angélico Sândalo Bernardino, ocorrido hoje, 15 de abril, às 18h23, na residência do Padre Antônio Leite Barbosa Júnior.
Unimo-nos em oração a todos os que partilham deste momento de luto, especialmente aos familiares, amigos e fiéis que caminharam com ele ao longo de sua vida e ministério.
Dom Angélico exerceu seu episcopado com dedicação, marcando a história da Igreja no Brasil como bispo auxiliar de São Paulo e como primeiro bispo da Diocese de Blumenau, desde sua criação em 2000.
Neste momento, elevamos nossas preces a Deus, com confiança na Sua misericórdia e na promessa da vida eterna. Que o Senhor acolha Dom Angélico em Sua paz e o recompense por todo o bem que realizou ao longo de sua caminhada.
“Na casa do Pai há muitas moradas…” (Jo 14,2)
Que ele descanse na luz e na paz do Cristo Ressuscitado.
Infância e Formação Religiosa
Dom Angélico Sândalo Bernardino nasceu em 19 de janeiro de 1933 no então distrito de Saltinho, município de Piracicaba, interior de São Paulo. Filho de Duilio Bernardino e Catarina Sândalo – ambos descendentes de imigrantes italianos –, ele foi criado em uma família católica numerosa e humilde. Desde cedo demonstrou inclinação religiosa; aos 11 anos de idade, manifestou o desejo de ser padre, ingressando no seminário ainda adolescente. Dom Angélico estudou Filosofia no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo (1952-1955), e Teologia no Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, em Viamão (RS), entre 1956 e 1959. Além da formação eclesiástica, cursou Jornalismo em Ribeirão Preto (SP), o que lhe proporcionou ferramentas para atuar na comunicação da Igreja. Essa sólida formação intelectual e pastoral refletiu seu lema de vida, “Deus é Amor”, e fundamentou sua opção pelos pobres e pela justiça social, inspirada pelos ideais do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín.
Ordenação Sacerdotal e Primeiros Anos de Ministério
Angélico Sândalo Bernardino foi ordenado sacerdote em 12 de julho de 1959, na cidade de Ribeirão Preto (SP). Nos anos seguintes, dedicou-se com entusiasmo ao ministério pastoral naquela região. Exerceu a função de diretor espiritual do seminário diocesano em Brodowski (SP) entre 1961 e 1962, contribuindo para a formação de novos sacerdotes. Também serviu como cura da Catedral de Ribeirão Preto, coordenador arquidiocesano de pastoral e diretor do jornal Diário de Notícias, onde colocou em prática seus conhecimentos de jornalismo. Nesse período, atuou intensamente junto a movimentos leigos: foi assistente eclesiástico do Movimento Familiar Cristão, das Equipes de Nossa Senhora e dos Cursilhos de Cristandade, entre outros grupos de apostolado laical. Tais experiências nos anos iniciais do sacerdócio revelaram seu perfil pastoral agregador e aberto ao diálogo com a sociedade, preparando-o para missões ainda maiores.
Bispo Auxiliar de São Paulo
Em 12 de dezembro de 1974, durante o pontificado do Papa Paulo VI, Angélico foi nomeado bispo titular de Tambeae e auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. Sua ordenação episcopal ocorreu em 25 de janeiro de 1975 – festa da Conversão de São Paulo –, sendo sagrante principal o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo metropolitano de São Paulo. Como bispo auxiliar, Dom Angélico recebeu sucessivamente a responsabilidade por diferentes regiões episcopais da arquidiocese, incluindo as regiões Belém (zona leste), São Miguel Paulista (extremo leste) e Brasilândia (zona norte) da capital paulista. Nessa função, destacou-se pela proximidade com as comunidades periféricas e pela defesa dos mais pobres. Dom Paulo Arns confiou a Dom Angélico a coordenação da Pastoral Operária arquidiocesana – o serviço da Igreja junto aos trabalhadores – e o encargo pela Cáritas no Regional Sul-1 da CNBB (estado de São Paulo). Paralelamente, Dom Angélico também dirigiu o jornal arquidiocesano O São Paulo, usando os meios de comunicação para dar voz às causas sociais e evangelizar. Sua atuação firme e carismática logo o tornou um dos principais representantes do setor progressista da Igreja Católica paulistana, alinhado às diretrizes de Dom Paulo Arns em favor da justiça e dos direitos humanos.
Defesa dos Direitos Humanos durante a Ditadura Militar
Durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira (1964-1985), Dom Angélico teve participação pastoral marcante, tornando-se símbolo da ala progressista da Igreja engajada na defesa dos direitos humanos. Influenciado pela renovação do Concílio Vaticano II e pelo espírito de Medellín, ele assumiu a opção preferencial pelos pobres como princípio de sua missão. Entusiasta da Teologia da Libertação, enfrentou corajosamente os abusos do regime autoritário. Como bispo auxiliar em São Paulo, mostrou-se solidário aos movimentos sociais e engajou-se em lutas populares, desde campanhas por moradia digna e saúde na periferia da Zona Leste até a organização de greves e sindicatos de trabalhadores. Dom Angélico esteve ao lado do Cardeal Arns em momentos críticos, como na denúncia da tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975 e do operário Manuel Fiel Filho em 1976, bem como na comoção pelo assassinato do operário metalúrgico Santo Dias em 1979. Participou ativamente das vigílias e missas em memória desses mártires, consolando suas famílias e exigindo justiça. Nos anos 1980, engajou-se na campanha das Diretas Já (1984), que clamava pelo retorno das eleições presidenciais diretas. Sua voz profética também se fez ouvir na descoberta da vala clandestina do Cemitério de Perus (1990), onde vítimas do regime foram enterradas anonimamente. Nesse percurso, Dom Angélico consolidou sua imagem de bispo destemido e defensor dos oprimidos, mesmo sob ameaças. Ele próprio enfrentou pressões e perseguições: como jornalista e padre, foi diversas vezes intimado a depor sobre suas opiniões contrárias ao regime, sem jamais abdicar de seus princípios. Essa trajetória de resistência lhe rendeu reconhecimento nacional e internacional, mostrando o papel da Igreja na luta pelos direitos humanos no Brasil.
Primeiro Bispo da Diocese de Blumenau
No contexto de reorganização pastoral do pós-ditadura, o Papa João Paulo II criou novas dioceses no Brasil para melhor atender aos fiéis. Em 19 de abril de 2000, Dom Angélico Sândalo Bernardino foi nomeado o primeiro bispo da recém-criada Diocese de Blumenau, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Ele tomou posse solene em 24 de junho de 2000, iniciando uma nova fase de seu ministério episcopal agora fora de São Paulo. Como bispo diocesano fundador, coube a Dom Angélico estruturar a diocese praticamente do zero: organizou paróquias, nomeou conselhos pastorais e administrativos, e incentivou a formação de lideranças locais. Sua experiência em São Paulo foi valiosa para implantar em Blumenau uma Igreja próxima do povo, com forte ênfase na pastoral social e na colegialidade. Durante os nove anos em que esteve à frente da diocese (2000-2009), também prestou serviço à Igreja em nível regional e nacional. Foi eleito presidente do Regional Sul-4 da CNBB (que congrega as dioceses catarinenses) e participou como delegado da histórica V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Aparecida, em 2007. Aos 75 anos de idade, conforme o direito canônico, apresentou renúncia ao governo pastoral de Blumenau, a qual foi aceita pelo Papa Bento XVI em 18 de fevereiro de 2009. Tornou-se então bispo-emérito de Blumenau, deixando como legado naquela Igreja particular uma base pastoral sólida e comunidades vivas. Dom Angélico entrou para a história catarinense não apenas por ter sido o primeiro bispo de Blumenau desde sua criação, mas também pelo carinho e dedicação com que serviu ao povo blumenauense.
Principais Projetos e Ações Pastorais
Ao longo de sua caminhada, Dom Angélico promoveu diversos projetos pastorais de grande impacto social e eclesial. Ainda em Ribeirão Preto, apoiou movimentos de leigos e famílias, elaborando materiais como o livreto “Traço de União”, um roteiro para reuniões do Movimento Familiar Cristão. Em São Paulo, à frente da Pastoral Operária, engajou a Igreja nas causas dos trabalhadores, celebrando missas nas fábricas e dando suporte espiritual durante greves e mobilizações sindicais. Atuou também na Pastoral da Moradia e da Saúde nas periferias, incentivando a organização de mutirões e a criação de postos de atendimento comunitário, numa época em que as populações carentes careciam de serviços básicos. Como responsável pela Cáritas Regional Sul-1, articulou iniciativas de promoção humana, assistência aos pobres e projetos de economia solidária. Sob seu incentivo, surgiram cooperativas populares e centros de defesa dos direitos nas paróquias mais periféricas. Dom Angélico primava pela evangelização libertadora, que unia fé e vida: costumava dizer que “a fé sem obras é morta”, motivando clero e leigos a praticarem a caridade ativa e a luta pela justiça. Seu estilo pastoral era marcado pela simplicidade de vida e pelo diálogo ecumênico – manteve boas relações com lideranças de outras igrejas e religiões na busca de causas comuns, como a paz e a dignidade humana. Na Diocese de Blumenau, deu continuidade a essas prioridades, fortalecendo pastorais sociais, criando a Cáritas diocesana e apoiando comunidades eclesiais de base. Projetos como a Pastoral da Criança, a Pastoral da Juventude e a Pastoral da Pessoa Idosa receberam seu estímulo, ampliando a presença da Igreja junto aos vulneráveis. Assim, em todas as etapas de seu ministério, Dom Angélico deixou marcas concretas de serviço – seja fundando um jornal católico, presidindo uma Cáritas ou escrevendo em defesa dos direitos humanos –, sempre fiel à visão de uma Igreja “em saída” e comprometida com os que mais precisam.
Relação com Movimentos Sociais e Lideranças Políticas
Legenda: O presidente Lula (esq.) abraça Dom Angélico Sândalo Bernardino (centro) em visita pouco antes do falecimento do bispo, acompanhados pelo Padre Antônio “Toninho” (dir.).
Dom Angélico ficou conhecido por transitar com naturalidade entre o altar e as ruas, tornando-se uma figura querida nos meios populares e respeitada no cenário político. Durante as greves históricas dos metalúrgicos do ABC paulista no final dos anos 1970, ele esteve presente ao lado dos trabalhadores, celebrando missas campais e levando palavras de esperança aos grevistas. Nessa época conheceu um líder sindical emergente chamado Luiz Inácio Lula da Silva, futuro presidente do Brasil. A afinidade foi imediata: Dom Angélico, então responsável pela Pastoral Operária, via nas lutas operárias a concretização do Evangelho na defesa dos oprimidos, enquanto Lula encontrava na Igreja progressista um importante apoio moral. Dessa convivência nasceu uma amizade duradoura entre o bispo e o líder sindical. Ao longo das décadas seguintes, Dom Angélico continuou próximo de Lula e de outros militantes sociais, como líderes de movimentos de moradia, das Comunidades Eclesiais de Base e das pastorais sociais. Em várias ocasiões, ele usou sua autoridade eclesiástica para mediar conflitos e manifestar publicamente apoio a causas populares – por exemplo, defendeu o Movimento dos Sem-Terra e criticou desigualdades estruturais, sempre pregando a não-violência e o diálogo.
Com Lula em especial, a relação extrapolou o campo institucional, tornando-se quase familiar. Dom Angélico foi escolhido para celebrar momentos importantes na vida do ex-presidente. Batizou os netos de Lula e de Dona Marisa Letícia, primeira esposa de Lula. Em 2017, quando Marisa sofreu um AVC, Dom Angélico esteve no hospital para lhe ministrar a Unção dos Enfermos, e após o falecimento dela, presidiu a missa de corpo presente e a missa de sétimo dia, confortando a família enlutada. No dia 7 de abril de 2018, horas antes de Lula se entregar à polícia para cumprir prisão, foi Dom Angélico quem celebrou um ato ecumênico em homenagem a Marisa em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, atendendo a um pedido pessoal de Lula. Já em maio de 2022, Dom Angélico teve a alegria de oficializar o casamento de Lula com Rosângela da Silva, a “Janja”, em São Paulo. Também celebrou casamentos de filhos de Lula em anos anteriores, reforçando os laços afetivos com a família do presidente. Essa proximidade rendeu a Dom Angélico o apelido carinhoso de “bispo dos trabalhadores” e confidente de Lula. Em suas visitas e encontros, não raro o bispo aconselhava o amigo sobre ética, justiça e compaixão, valores que sempre norteou. Por sua vez, Lula já declarou publicamente sua admiração por Dom Angélico, chegando a afirmar recentemente que ele foi “o maior bispo do Brasil”. A amizade entre os dois simboliza o diálogo frutuoso entre fé e política na história recente do país – uma aliança em prol dos direitos dos pobres e da democracia.
Participação em Eventos Públicos Marcantes
Além dos episódios já mencionados envolvendo Lula, Dom Angélico Sândalo Bernardino esteve presente em diversos eventos públicos de relevo, sempre levando uma mensagem de amor ao próximo e justiça social. Durante os anos de ditadura e redemocratização, participou de manifestações pacíficas, passeatas e comícios pró-democracia, frequentemente como celebrante de missas campais ou orador que invocava valores cristãos para inspirar a luta popular. Em 1984, por exemplo, integrou a grande multidão no Comício pelas Diretas em São Paulo, subindo ao palanque ecumênico para rezar pelo futuro livre do Brasil, ombreado a outras lideranças religiosas. Também marcou presença em eventos da sociedade civil, como congressos de pastoral, conferências de direitos humanos e encontros inter-religiosos pela paz. Sua figura franzina de óculos e sorriso fácil era reconhecida tanto em igrejas lotadas quanto em assembleias de movimentos sociais. Nos últimos anos, ganhou destaque a celebração do casamento de Lula e Janja em maio de 2022, cerimônia que teve ampla cobertura da mídia nacional. Ao abençoar a união do então ex-presidente com sua companheira, Dom Angélico proferiu palavras de esperança e fez ecoar uma de suas frases mais emblemáticas – “Amai-vos, e não armai-vos” –, clamando por tolerância e paz num Brasil polarizado. Esse lema, citado por ele em momentos críticos, tornou-se um resumo de sua postura: incentivar o amor fraterno em vez do ódio ou da violência. Dom Angélico também foi convidado de honra em posses presidenciais e eventos do governo quando Lula esteve à frente do país (2003-2010 e 2023-2025), ilustrando o respeito mútuo entre a liderança política e a autoridade religiosa. Em todas essas ocasiões públicas, manteve-se fiel ao figurino simples: cruz no peito, Bíblia na mão e o povo no coração.
Aposentadoria e Voz Ativa na Igreja e na Sociedade
Ao renunciar ao cargo de bispo diocesano em 2009, Dom Angélico passou a residir em São Paulo, fixando-se na Paróquia Nossa Senhora Aparecida da Vila Zatt, na zona norte da capital. Longe de se recolher ao silêncio, continuou participando do debate público e eclesial de forma atuante. Tornou-se presidente da Comissão dos Bispos Eméritos da CNBB, articulando a contribuição pastoral dos bispos já aposentados. Frequentemente concedia entrevistas, escrevia artigos e aparecia em eventos da Igreja progressista. Em 2018, foi destaque de um documentário e de entrevistas onde analisou criticamente a situação sociopolítica do Brasil, denunciando retrocessos nos direitos dos pobres e condenando a cultura do ódio. Mesmo nonagenário, manteve posições firmes e corajosas que por vezes destoavam do silêncio de outros. Em junho de 2024, por exemplo, Dom Angélico quebrou protocolos ao condenar publicamente um projeto de lei que pretendia criminalizar meninas vítimas de estupro que recorressem ao aborto. Numa entrevista, ele criticou duramente a proposta – que chegou a contar com a simpatia de setores conservadores da Igreja – argumentando que a mulher já é vítima e não deveria jamais ser punida nessa situação. Suas palavras enfatizaram que era preciso enfrentar o drama do aborto de modo humano e global, em vez de apenas aumentar penas: “A pessoa jamais poderia ser punida, porque é vítima… Chegou o momento de focarmos nesta problemática de maneira global”, pregou Dom Angélico na ocasião. Essa defesa franca dos direitos das mulheres rendeu elogios de grupos progressistas e algumas críticas discretas na hierarquia, mas evidenciou que seu espírito profético permanecia vivo. Dom Angélico também continuou próximo a movimentos sociais, participando de reuniões de comunidades e manifestos por justiça. Em janeiro de 2023, ao completar 90 anos, recebeu homenagens inclusive do Presidente da República: Lula divulgou uma mensagem emocionada exaltando a trajetória do amigo bispo, lembrando sua coragem contra a ditadura e seu incansável testemunho do amor em tempos de ódio. Até os últimos dias de vida, Dom Angélico manteve-se atualizado sobre os rumos da Igreja e do país, acompanhando pela imprensa e por visitas de amigos. Era comum vê-lo, já com saúde fragilizada, rezando o terço em caminhadas curtas no bairro e acolhendo todos com um sorriso e uma bênção. Sua casa simples tornou-se ponto de peregrinação de lideranças populares e religiosas em busca de conselho e inspiração. Assim, na condição de bispo emérito, Dom Angélico seguiu seminando o amor e a justiça, fiel ao seu lema, e influenciando o debate público com a autoridade moral de quem viveu plenamente o Evangelho.
Falecimento em 15 de Abril de 2025 e Reações
No dia 15 de abril de 2025, a Igreja do Brasil despediu-se de Dom Angélico Sândalo Bernardino. Naquela tarde de terça-feira, por volta das 18h23, o bispo faleceu aos 92 anos de idade em São Paulo, na residência paroquial onde recebia cuidados de saúde. Nos meses anteriores, Dom Angélico vinha enfrentando problemas de saúde sérios – chegou a passar longos períodos internado e foi submetido a cirurgias no Hospital Santa Catarina, ficando depois em cuidados domiciliares sob atenção do Padre Antônio “Toninho” Leite Barbosa Júnior, seu amigo e assistente. A notícia de sua morte foi confirmada inicialmente pela Arquidiocese de São Paulo e pela Diocese de Blumenau, que emitiram notas oficiais de pesar. “Com profundo pesar, comunicamos o falecimento de Dom Angélico Sândalo Bernardino… Unimo-nos em oração a todos os que partilham deste momento de luto”, registrou a nota diocesana, destacando a dedicação com que ele marcou a história da Igreja no Brasil. Imediatamente, inúmeras manifestações de homenagem e saudade emergiram em todo o país.
Líderes religiosos lembraram com gratidão a figura de Dom Angélico. O Cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, louvou a trajetória do bispo emérito e anunciou a celebração de uma missa de corpo presente na Paróquia N. Sra. Aparecida da Vila Zatt (onde Dom Angélico morava) no dia seguinte, 16 de abril, às 15 horas. Após a cerimônia em São Paulo, o corpo de Dom Angélico seria transportado para Santa Catarina, para sepultamento na Catedral São Paulo Apóstolo, em Blumenau – a mesma catedral que ele consagrou quando da fundação da diocese e onde repousaria ao lado do povo que primeiro pastoreou. Integrantes da Conferência dos Bispos (CNBB) destacaram seu exemplo de “pastor zeloso, próximo dos sofredores e fiel ao Evangelho até o fim”. Mensagens de movimentos sociais também inundaram as redes: muitas comunidades escreveram que “Dom Angélico foi voz dos sem voz” e agradeceram por seu apoio histórico.
Do mundo político vieram igualmente tributos emocionados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, profundamente consternado, recordou a recente visita que fizera ao amigo no início do mês de abril de 2025, quando o encontrara já debilitado e lhe dissera que ele era “o maior bispo do Brasil”. Lula publicou em suas redes sociais fotos do encontro e escreveu palavras de adeus, destacando a gratidão por tudo que Dom Angélico representou em sua vida e na caminhada do povo brasileiro. Outros ex-presidentes e autoridades, como Dilma Rousseff e Fernando Haddad, também expressaram pesar, enaltecendo a coragem do bispo durante a ditadura e sua luta incansável por justiça social. Nas periferias paulistanas e nos rincões catarinenses, onde seu nome era conhecido, comunidades celebraram missas em sufrágio de sua alma, com aplausos espontâneos ao final em sinal de reconhecimento. Houve quem entoasse o canto “Na casa do Pai há muitas moradas…” (cf. Jo 14,2) em referência à mensagem de conforto citada na nota oficial da Diocese de Blumenau. Jornais de grande circulação, como a Folha de S.Paulo, noticiaram a partida do “bispo amigo de Lula” e relembraram episódios marcantes de sua biografia, do enfrentamento à ditadura às recentes declarações sobre aborto. Assim, o falecimento de Dom Angélico causou profunda comoção nacional, mas também suscitou gratidão pelo testemunho de vida que ele deixa.
Legado e Impacto
Dom Angélico Sândalo Bernardino encerra sua missão terrena deixando um legado admirável para a Igreja Católica brasileira e para a sociedade em geral. Sua trajetória de mais de seis décadas de serviço exemplificou o ideal do pastor que tem “cheiro de ovelhas”, próximo do povo e sensível às dores sociais. Na Igreja, Dom Angélico será lembrado como um dos grandes expoentes da geração de bispos do pós-Concílio Vaticano II que transformaram a instituição em uma Igreja da Libertação no Brasil – ao lado de nomes como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e outros. Ele encarnou a opção preferencial pelos pobres, levada às últimas consequências. Sua atuação destemida durante a ditadura inspirou religiosos e leigos a não se calarem diante da injustiça, e contribuiu para salvar vidas e resgatar a dignidade de perseguidos. Foi mentor e apoio de inúmeras lideranças comunitárias, animando as Comunidades Eclesiais de Base e as pastorais sociais em São Paulo e, posteriormente, em Santa Catarina. Bispos e padres mais jovens que conviveram com Dom Angélico absorveram dele a lição de uma Igreja samritana e profética. Prova disso é que ele foi co-consagrante na ordenação episcopal de pelo menos três bispos, entre eles Dom Leonardo Ulrich Steiner (em 2005), que viria a ser cardeal e seguir os passos progressistas de seu consagrante. Ou seja, seu testemunho gerou frutos na continuidade da liderança eclesial comprometida com as causas sociais.
No âmbito da sociedade, Dom Angélico representou a ponte entre fé e política orientada pelo bem comum. Sua amizade com Lula e diálogo com movimentos sociais mostraram que é possível uma colaboração respeitosa entre Igreja e Estado em prol dos empobrecidos. Muitas políticas públicas de combate à fome, por exemplo, receberam inspiração de sugestões trazidas por religiosos como ele, que conheciam de perto a realidade das comunidades carentes. Intelectuais e ativistas destacam que Dom Angélico soube ler os “sinais dos tempos”: denunciou precocemente as desigualdades, o autoritarismo e a violência estrutural, e nunca perdeu a esperança na transformação social pacífica. O carinho que o povo nutria por ele pôde ser visto em vida – em 2023, ao retornar a Piracicaba para um encontro de família, foi saudado como celebridade local, com crianças e idosos disputando um abraço desse “bispo do povo”. Após sua morte, esse carinho se transforma em memória viva. Paróquias, centros comunitários e até ruas poderão vir a levar seu nome, perpetuando seus ideais.
Acima de tudo, Dom Angélico deixa como legado a mensagem do Evangelho vivida na prática. Seu mote “Amai-vos, e não armai-vos”, proferido num dos contextos mais difíceis da história recente, ecoa agora como um apelo atemporal pela paz e pela fraternidade. Ele testemunhou que a verdadeira grandeza da Igreja não está no poder ou no luxo, mas no serviço amoroso – seja junto à cama de um doente, seja ao lado de um operário em greve, seja abençoando a união de um casal apaixonado. Sua vida impactou profundamente a Igreja Católica brasileira, renovando sua credibilidade junto aos pobres, e impactou a sociedade, mostrando que líderes religiosos podem e devem contribuir para a construção de um mundo mais justo. Dom Angélico Sândalo Bernardino parte deixando milhões de “filhos espirituais” inspirados por seu exemplo. Sua memória permanece como um farol ético e espiritual, lembrando a todos que “podem matar algumas rosas, mas jamais deterão a chegada da primavera” – a primavera da justiça, da democracia e do amor, que ele ajudou a semear durante toda a sua abençoada existência.
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