O Brasil vive, nos últimos anos, um preocupante recrudescimento das manifestações de antissemitismo. Segundo o mais recente relatório divulgado pela Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) em parceria com a Confederação Israelita do Brasil (Conib), os casos de ataques e manifestações antijudaicas cresceram 350% entre os anos de 2022 e 2024. Esse crescimento exponencial ganhou novo impulso após outubro de 2023, quando teve início o atual conflito entre Israel e o grupo Hamas. A polarização gerada pelo cenário geopolítico internacional acabou servindo de justificativa para a disseminação de discursos de ódio em território nacional, tanto nos ambientes digitais quanto em espaços públicos e instituições.
A retórica do preconceito se insere num cenário em que a crítica às políticas de um Estado – no caso, Israel – é deturpada para alimentar preconceitos históricos contra um povo. A liberdade de expressão, fundamento indispensável da democracia, é frequentemente confundida com permissão para a propagação de estereótipos e discursos discriminatórios. Atribuir aos judeus, enquanto povo ou cultura, a responsabilidade por conflitos internacionais, dominação financeira ou “conspirações mundiais” é resgatar fantasmas de narrativas que alimentaram perseguições seculares, culminando em genocídios como o promovido pelo regime nazista.
O antissemitismo como parte de um quadro maior de intolerância religiosa
Embora o crescimento das manifestações antissemitas acenda um alerta importante, ele está longe de ser um caso isolado. A intolerância religiosa como um todo tem se intensificado no Brasil. De acordo com os dados mais recentes do Disque 100, canal oficial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mais de 1.800 denúncias de violações à liberdade religiosa foram registradas apenas no último ano.
As religiões de matriz africana seguem sendo as mais atingidas, respondendo por mais de 70% das denúncias, mas a violência atinge também católicos, evangélicos, espíritas e judeus. Os casos variam entre ataques a templos religiosos, intimidações em espaços públicos e discursos ofensivos disseminados nas redes sociais.
Diversidade religiosa como base da identidade nacional
O Brasil é mundialmente reconhecido por sua diversidade religiosa. Essa pluralidade é parte constitutiva de nossa identidade, um patrimônio imaterial de valor inestimável. Proteger essa diversidade significa proteger a democracia. Permitir que o antissemitismo, a intolerância contra religiões afro-brasileiras ou qualquer outro tipo de discriminação se enraízem em nossa sociedade é uma afronta direta aos valores constitucionais e ao pacto civilizatório que sustenta a vida em comum. Negar a existência desses fenômenos ou minimizar sua gravidade abre espaço para sua naturalização – e a história já mostrou, repetidas vezes, aonde isso pode nos levar.
O antissemitismo está entre nós
Presente em piadas supostamente inofensivas, em publicações nas redes sociais, em discursos de autoridades públicas e até em livros didáticos mal revisados, o antissemitismo não é um problema distante ou do passado. É urgente reconhecer que a banalização da violência simbólica – quando o preconceito se naturaliza sob o disfarce do ‘humor’ ou da ‘liberdade de opinião’ – abre um caminho perigoso, pavimentando o terreno para formas mais graves de violência. Ignorar esse fenômeno significa repetir os erros históricos que custaram milhões de vidas.
Uma tarefa coletiva e urgente
O debate político legítimo deve sempre estar sustentado no respeito à dignidade humana. Quando opiniões se transformam em ofensas religiosas, ameaças ou difamações, não se trata mais de liberdade, mas de crime. Enfrentar o antissemitismo e a intolerância religiosa é um desafio que exige responsabilidade institucional, ação educativa e mobilização social. Não se trata apenas de proteger uma minoria, mas de preservar os pilares fundamentais da democracia brasileira. A liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana e o respeito à diversidade são valores inegociáveis. Permitir que discursos de ódio se espalhem impunemente é flertar com a barbárie. Por isso, é urgente que Estado, escolas, meios de comunicação e cada cidadão assumam seu papel na construção de uma cultura de paz, diálogo e respeito mútuo.
A educação para os direitos humanos, o fortalecimento da legislação e sua aplicação rigorosa, além de ações afirmativas em prol das vítimas da intolerância, são caminhos concretos para esse enfrentamento. O silêncio, a omissão e a indiferença jamais podem ser opções diante do ódio. É tempo de agir.
Mais notícias
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________

Compartilhe: