Entre os dias 22 e 27 de novembro de 1910, uma revolta histórica sacudiu os mares brasileiros e se tornou símbolo de resistência e luta por dignidade. A Revolta da Chibata, liderada por marinheiros da Marinha do Brasil, foi uma resposta contundente aos castigos físicos desumanos impostos à tripulação, particularmente o uso das chibatadas, que eram o ápice de um sistema punitivo brutal.
A Marinha brasileira na Primeira República era marcada por profundas desigualdades. A maioria dos marinheiros era composta por negros e mestiços, vindos de famílias pobres. Esses trabalhadores enfrentavam jornadas extenuantes, baixos salários e, frequentemente, castigos físicos por qualquer infração.
A tensão a bordo atingiu o ponto máximo quando o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi submetido a 250 chibatadas como punição, um ato que chocou e revoltou seus colegas. Ao mesmo tempo, os marinheiros percebiam que os oficiais recebiam aumentos salariais enquanto suas condições de trabalho permaneciam precárias. Esse cenário de exploração e desigualdade racial e social fez com que a insatisfação acumulada explodisse.
Bandeiras vermelhas e 80 Canhões
Sob a liderança de João Cândido Felisberto, conhecido como o Almirante Negro, a revolta começou na madrugada de 22 de novembro. Os marinheiros assumiram o controle de quatro dos mais poderosos navios da Marinha – Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro. Na Baía de Guanabara, hastearam bandeiras vermelhas, sinal de insurreição, e apontaram 80 canhões para o Rio de Janeiro, ameaçando bombardear a capital se suas demandas não fossem atendidas.
As exigências dos revoltosos eram claras:
- Fim imediato dos castigos físicos;
- Melhoria nas condições de trabalho e vida a bordo;
- Aumento salarial e alimentação digna;
- Anistia para todos os envolvidos na revolta;
- Substituição de oficiais considerados ineficientes ou abusivos.
Consequências e repressão
Após cinco dias de intensas negociações, o governo prometeu atender às exigências dos marinheiros, abolindo as chibatadas e concedendo anistia aos revoltosos. Contudo, essas promessas se mostraram uma armadilha. Nos meses seguintes, muitos dos participantes foram perseguidos, presos ou expulsos da Marinha.
João Cândido, líder e símbolo da revolta, enfrentou severas retaliações. Preso e torturado, ele chegou a ser internado em um hospital psiquiátrico anos depois. Perseguido por toda a vida, João Cândido viveu seus últimos dias em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, em condições humildes. Sua família ainda luta por reconhecimento e reparação histórica, buscando honrar seu legado.
A Revolta da Chibata foi um marco: acabou com os castigos físicos na Marinha brasileira e trouxe à tona a exploração e o racismo estrutural da Primeira República. O levante tornou-se símbolo da luta pela dignidade dos trabalhadores e pela igualdade racial.
Mais de um século depois, o movimento ressoa nas discussões sobre direitos humanos e justiça social no Brasil. Em 2008, João Cândido foi oficialmente anistiado, um reconhecimento tardio, mas essencial, de sua relevância histórica.
A Revolta da Chibata não foi apenas uma insurgência contra as práticas opressivas nos navios; foi um grito de resistência contra as desigualdades sociais e raciais da época. Apesar das graves consequências enfrentadas pelos revoltosos, o legado de coragem e luta por transformação social inspira gerações até hoje.
Que João Cândido e seus companheiros sejam sempre lembrados como exemplos de bravura e determinação na busca por um Brasil mais justo e igualitário.
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