Flup 2024: A Experiência Negra Como Literatura

Arcos da Lapa

O festival Flup 2024, realizado no Rio de Janeiro, mais uma vez se consolidou como um espaço crucial de troca, resistência e afirmação da cultura negra. Realizado no icônico Circo Voador, a Festa Literária das Periferias reuniu grandes nomes da literatura e da academia, mas, mais do que isso, celebrou a narrativa e as experiências de pessoas que muitas vezes não estão no centro das grandes discussões literárias.

Entre as palestrantes internacionais de peso, como a nigeriana Oyeronke Oyewumi e a britânica Bernardine Evaristo, também estiveram presentes brasileiras como Sueli Carneiro e Conceição Evaristo, além de intelectuais e ativistas que, como Ana Paula Oliveira, mostraram que a experiência negra, seja por meio de textos ou da própria vivência, é por si só uma forma de literatura. Oliveira, que deu um testemunho profundo sobre o impacto do ativismo após a perda de seu filho, assassinato cometido por um policial, levou o público a refletir sobre o peso da palavra e da ação como forma de resistência.

A Flup tem se distanciado da ideia de um evento fechado para elites intelectuais, buscando expandir sua audiência e tratar de temas cruciais, como o genocídio da população negra e a invisibilidade política. Nas palavras de muitos participantes, o festival é comparado a um quilombo, conceito amplamente defendido por Beatriz Nascimento, no qual o acolhimento e a troca são fundamentais para fortalecer a comunidade negra, especialmente em tempos de aumento do conservadorismo mundial.

Com uma programação diversa, que incluiu rodas de samba, saraus de slam, bailes funk e até apresentações musicais, como o show de Lia de Itamaracá e Dona Onete, a Flup 2024 também refletiu a pluralidade de expressões culturais negras. A cada noite, os debates acadêmicos e intelectuais eram acompanhados por manifestações culturais, criando uma atmosfera harmônica onde diferentes formas de resistência e luta se entrelaçavam.

Além disso, a Flup manteve seu compromisso com a acessibilidade ao tornar toda a programação gratuita, permitindo a participação de diferentes camadas sociais. Com patrocínios de grandes empresas como Shell e Vale, e apoio de instituições como a Ford e Open Society Foundation, o evento se reafirmou como um espaço de resistência, reflexão e, acima de tudo, celebração da cultura negra e da literatura como um reflexo genuíno de uma realidade multifacetada e resiliente.

Com sua programação aberta e inclusiva, a Flup 2024 reafirmou a necessidade de se olhar para as periferias e para as histórias de vida como narrativas literárias poderosas, capazes de redefinir a compreensão do que é ser negro no Brasil e no mundo. A experiência negra, afinal, não é apenas uma questão de racismo ou violência, mas uma literatura viva, contada por aqueles que vivem e transformam a realidade à sua volta, como Ana Paula Oliveira faz com sua história de resistência.