Memória: Cláudia Silva Ferreira

Caso Cláudia Silva Ferreira

O Rio de Janeiro foi palco de um dos episódios mais chocantes e tristes de sua história: a morte de Cláudia Silva Ferreira, uma mulher negra, mãe de quatro filhos, que foi arrastada por uma viatura da Polícia Militar por cerca de 350 metros nas ruas do subúrbio carioca. A cena, capturada em vídeo por um cinegrafista amador, chocou o país e expôs de forma brutal a violência estrutural e o racismo que permeiam a sociedade brasileira. Hoje, mais de uma década depois, a dor da família de Cláudia permanece viva, e a busca por justiça continua.

Cláudia, carinhosamente chamada de Cacau, era uma mulher da comunidade. Trabalhava como auxiliar de serviços gerais no Hospital Naval Marcílio Dias e, além de cuidar dos quatro filhos, assumia a responsabilidade de criar quatro sobrinhos. Acordava todos os dias às 4h30 da manhã para garantir o sustento da família. Em 2014, ela completaria 20 anos de casamento com Alexandre da Silva, seu companheiro de vida.

No dia 16 de março de 2014, Cláudia saiu de casa, no Morro da Congonha, em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, para comprar pão e café da manhã. No caminho, foi atingida por tiros disparados por policiais militares durante uma operação contra supostos traficantes. Baleada no pescoço e nas costas, Cláudia foi colocada no porta-malas de uma viatura da PM, supostamente para ser socorrida. No entanto, durante o trajeto pela Estrada Intendente Magalhães, a porta do compartimento se abriu, e ela caiu do veículo. Pendurada pelo parachoque por um pedaço de roupa, foi arrastada por cerca de 350 metros, enquanto pedestres e motoristas tentavam, em vão, alertar os policiais para pararem.

A absolvição dos Policiais
Apesar da brutalidade do ocorrido e das evidências contundentes, os policiais envolvidos no caso foram absolvidos em 2024. O juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, da 3ª Vara Criminal, determinou que os agentes agiram em legítima defesa durante um tiroteio com traficantes e que os disparos que atingiram Cláudia foram “apenas um erro”. Entre os absolvidos estão o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que comandava a patrulha, e o sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, além de outros subtenentes, sargentos e cabos acusados de fraude processual por supostamente removerem o corpo de Cláudia para alterar a cena do crime.

Pms caso Claudia
Pms caso Claudia

A decisão judicial gerou revolta e indignação, especialmente porque os policiais envolvidos continuaram trabalhando após o caso e se envolveram em outras oito mortes durante operações, todas enquadradas como “homicídios decorrentes de intervenção policial”. Boaventura, por exemplo, chegou a ser nomeado Superintendente de Combate aos Crimes Ambientais em 2020, mas a nomeação foi revogada após repercussão negativa. Já Bueno, que foi preso sob acusação de integrar uma milícia na Zona Norte do Rio, permanece na ativa na Polícia Militar.

A família de Cláudia nunca superou o trauma daquela manhã. Flávia, uma das filhas, afirma que a mãe foi revitimizada diversas vezes, tanto pela forma como foi tratada no momento da morte quanto pela falta de justiça ao longo dos anos. Após o ocorrido, a família fez um acordo com o governo para receber uma indenização e mudou-se da comunidade onde vivia, buscando deixar para trás as lembranças dolorosas. O viúvo, Alexandre da Silva, e os filhos de Cláudia agora residem na Zona Oeste do Rio, mas a dor da perda e a sensação de impunidade permanecem.

Um retrato da violência estrutural e do racismo
A morte de Cláudia Silva Ferreira é um retrato cruel da violência estrutural e do racismo que ainda assolam o Brasil. Mulher negra, mãe, trabalhadora e moradora de uma comunidade, Cláudia representava milhares de vidas que são diariamente desvalorizadas e violentadas pelo Estado. Sua história expõe a naturalização da violência policial, especialmente contra corpos negros e periféricos, e a falta de accountability (prestação de contas) das instituições públicas.

Apesar do tempo passado, a memória de Cláudia não pode ser apagada. Sua morte deve servir como um alerta para a urgência de transformações profundas no sistema de segurança pública, no combate ao racismo e na garantia de direitos básicos para todas as pessoas. A luta por justiça para Cláudia e sua família é, também, a luta por um futuro onde vidas negras e periféricas sejam valorizadas e protegidas.

Hoje, completam-se mais um ano da morte de Cláudia Silva Ferreira. Sua história, marcada por dor e injustiça, nos lembra da importância de não esquecer. Que o nome de Cláudia ecoe como um símbolo de resistência e como um chamado para que casos como o dela não se repitam. Que sua memória inspire a luta por um país mais justo, onde todas as vidas importem e onde a violência e o racismo não tenham lugar.

Cláudia era uma vida que importava.

Leia também

Fale conosco! | Nos conheça

Projeto Comunicando ComCausa

Portal C3 | Instagram C3 Oficial

______________

Compartilhe: