A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, poucos dias antes de relembrarmos o 8 de janeiro e a tentativa de golpe contra a democracia, é uma brisa de esperança e resistência em um país que, nos últimos anos, buscou incessantemente destruir o audiovisual brasileiro.
Durante o governo Bolsonaro, o cinema nacional enfrentou um cenário devastador. A criminalização das leis de incentivo à cultura foi impulsionada por uma máquina de desinformação, levando a uma crise sem precedentes desde a ditadura militar. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) teve suas atividades praticamente paralisadas, interrompendo projetos e o repasse de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Em 2020, cerca de 782 projetos aguardavam liberação de verbas, comprometendo seriamente a produção audiovisual no país.
O setor audiovisual, uma parte vital da economia criativa brasileira, gera milhares de empregos diretos e indiretos em áreas como roteiro, direção, atuação, edição, fotografia e distribuição. A Ancine, antes de sua desestruturação, era essencial para o fortalecimento desse mercado, garantindo competitividade no cenário internacional e ampliando as cadeias produtivas.
A Censura e o Desmonte Cultural
O governo Bolsonaro expressou publicamente a intenção de impor filtros ideológicos nas produções financiadas com recursos públicos. Em 2019, o então presidente ameaçou fechar ou privatizar a Ancine caso não fossem criados mecanismos para controlar o conteúdo apoiado, configurando uma tentativa de censura à liberdade artística.
O desmonte também atingiu a Cinemateca Brasileira, que sofreu com a interrupção de repasses financeiros após o fim do contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) em 2019. Sem verba ou gestão, a Cinemateca enfrentou demissões em massa e a deterioração de seu acervo. Em 29 de julho de 2021, um incêndio destruiu parte significativa do patrimônio cultural armazenado no galpão da Vila Leopoldina, em São Paulo. Especialistas já alertavam sobre os riscos de tragédias devido ao abandono da instituição.
Além disso, em 2022, o governo federal enviou ao Congresso um projeto que previa a extinção da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), principal fonte de financiamento para produções audiovisuais independentes. A proposta colocava em xeque a continuidade de grande parte das produções brasileiras.
O Cinema Brasileiro Como Ferramenta de Resistência
Apesar desse cenário de desmonte, o cinema brasileiro persiste como um espaço de denúncia, memória e resistência. Quando Fernanda Torres subiu ao palco do Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles, sua vitória no Globo de Ouro simbolizou que, mesmo diante de tantas adversidades, “eles” passam, mas a arte resiste.
O cinema, em um país profundamente marcado por desigualdades sociais e violência institucional, continua a ser uma ferramenta poderosa para revelar um Brasil que muitos tentam esconder. É um espaço para narrar histórias que resistem à censura, para expor realidades invisibilizadas e para combater a tentativa de reescrever a história sob uma ótica autoritária.
A trajetória do cinema nacional é marcada por crises, mas também por conquistas que reafirmam sua relevância. Fernanda Torres, ao ser premiada, nos lembra que a cultura é essencial para a democracia e para a construção de um país mais justo. O cinema brasileiro não é apenas entretenimento; é resistência, é voz, é memória. E, apesar de tudo, ainda está aqui.
Listei alguns filmes nacionais que você não pode deixar de assitir
Marighella
Dirigido por Wagner Moura, o filme retrata a vida de Carlos Marighella, líder guerrilheiro que combateu a ditadura militar no Brasil. A obra destaca a resistência armada contra o regime opressor.
Cabra Marcado para Morrer
Documentário de Eduardo Coutinho que iniciou as filmagens em 1964, interrompidas pelo golpe militar, e retomadas 20 anos depois. O filme acompanha a história de Elizabeth Teixeira, viúva de um líder camponês assassinado, simbolizando a resistência dos movimentos sociais.
Batismo de Sangue
Dirigido por Helvécio Ratton, o filme retrata a participação de frades dominicanos na resistência contra a ditadura militar, apoiando grupos guerrilheiros e enfrentando a repressão do regime.
Marte Um
O filme acompanha a história da família Martins, que vive na periferia de Contagem, Minas Gerais, enfrentando os desafios do cotidiano após a eleição de um presidente de extrema-direita. O filho mais novo, Deivinho, sonha em ser astrofísico e participar da colonização de Marte. A obra representou o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2023.
Cidade de Deus
Dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund, o filme retrata a vida na favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, mostrando a ascensão do crime organizado e a luta dos moradores para sobreviver em meio à violência e à desigualdade social.
O Que É Isso, Companheiro?
Dirigido por Bruno Barreto, o filme é baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira e retrata o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick por militantes de esquerda durante a ditadura militar, evidenciando a resistência política da época.
Que Bom Te Ver Viva
Dirigido por Lúcia Murat, o filme traz depoimentos de mulheres que pegaram em armas contra o regime militar, mesclando ficção e realidade para abordar as marcas deixadas pela repressão e a força da resistência feminina.
Central do Brasil
Central do Brasil, dirigido por Walter Salles e lançado em 1998, é uma das obras mais icônicas do cinema brasileiro. O filme é um retrato profundo da realidade social do Brasil, contado através da jornada de Dora (interpretada por Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira). Este clássico aborda temas como abandono, esperança e as complexas relações humanas, tendo como pano de fundo as desigualdades do país.
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________
