Será que existem palavras que possam ser ditas por nós, homens, neste dia, para esta e tantas outras mulheres vítimas da misoginia e da brutalidade masculina? Em que dicionário poderemos encontrar frases que assegurem a elas que podem sair do trabalho à noite, esperar o ônibus no ponto, seguras, sem estarem inteiramente erradas por acreditar nisso?
Será que um dia a literatura nos permitirá lembrar de um passado em que uma jovem de 17 anos não tinha o direito de viver, sem que cada passo fosse acompanhado pelo medo de ser brutalmente assassinada? E que possamos, então, nos sentir abismados e envergonhados pelo fato de que foram homens que tornaram toda uma sociedade perigosa para as “Vitórias Regina”?
Eu gostaria de dizer a ela, neste dia em que as mulheres lembram suas lutas, que a justiça será feita. Mas que justiça é essa que tira a oportunidade de viver? Que arranca uma filha dos braços da família? Que faz uma mãe enterrar sua filha em um caixão fechado? Que justiça é essa se, no mesmo dia, tantas outras terão o mesmo destino ou pior? Se eu dissesse que a justiça será feita, estaria mentindo.
Não há justiça na morte. Quando te roubam algo, a justiça pode fazer com que o ladrão pague o valor do objeto, devolva e repare o dano. Mas e quando o que te roubam é o direito de viver? O que retorna, além da imensa dor e da total incapacidade de fazer qualquer coisa?
O fato é que não existem palavras que possam alcançar qualquer mulher neste dia. O maior dos poetas seria incapaz de prometer, sem mentir, que tudo vai ficar bem, que elas podem sair sem medo, que a vida é segura, que podem ser quem são sem riscos.
Eu queria poder dizer à Vitória que haverá justiça. Queria dizer a todas as mulheres que vai ficar tudo bem. Queria, mas não posso. E me parece que, diante de um país onde a cada seis horas uma mulher morre vítima de feminicídio, parabenizá-las por suas lutas soa como hipocrisia. Tão grande quanto acreditar que há uma solução simples, sem longos anos de luta, sem que casos como o de Vitória Regina se repitam, choquem o Brasil e depois desapareçam, como se nunca tivessem existido.
Talvez eu não veja, mas espero que um dia exista um Brasil onde mães não enterrem suas filhas em caixões fechados, onde meninas possam andar pelas ruas sem medo, onde “Vitórias Regina” tenham o direito de viver — e viver plenamente.
Até lá, perdoem-me, “Vitórias”, cujas vidas foram ceifadas. Não sei o que lhes dizer. Ninguém sabe. Mas insisto em fazer memória, para que sua lembrança seja motivo de luta. E se, ao menos, uma mulher for salva, teremos feito parte da utopia que um dia será história — a história de como o Dia Internacional da Luta das Mulheres fez da misoginia um passado distante.
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