Rubens Beyrodt Paiva foi um destacado engenheiro civil e político brasileiro, cuja trajetória foi marcada por sua militância política, sua resistência à ditadura militar e sua morte brutal sob tortura. Nascido em 26 de setembro de 1929, em Santos (SP), Paiva se envolveu no movimento estudantil desde cedo, destacando-se durante sua graduação em engenharia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Durante esse período, foi presidente do Centro Acadêmico e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP), o que o colocou em contato com as principais discussões políticas de sua época.
Em 1962, Rubens Paiva foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ganhando notoriedade por sua postura progressista. Seu compromisso com a democracia e com o governo constitucional de João Goulart o levou a se opor ativamente ao golpe militar de 1964. Na madrugada do dia 1º de abril daquele ano, fez um discurso corajoso convocando os estudantes e sindicalistas a resistirem ao golpe. Como consequência, teve seu mandato cassado e foi forçado a se exilar.
Primeiramente, Paiva se refugiou na antiga Iugoslávia (atualmente Sérvia), e depois se mudou para a França. Apesar do exílio, ele manteve contato com outros exilados e com os movimentos de resistência ao regime militar. Em 1965, retornou ao Brasil e se estabeleceu no Rio de Janeiro, continuando sua luta contra a ditadura.
No entanto, a tragédia se abateu sobre a família Paiva em 20 de janeiro de 1971. A casa da família foi invadida por seis militares que prenderam Rubens Paiva e o levaram sob custódia. O escritor Marcelo Rubens Paiva, seu filho caçula, relatou o episódio em seu livro Feliz Ano Velho, descrevendo como seu pai foi visto saindo de casa dirigindo o próprio carro, fato que mais tarde ajudaria a comprovar que ele estava sob prisão, embora os órgãos de repressão negassem. Após a prisão, uma das irmãs de Rubens Paiva foi até o quartel para buscar o carro de seu irmão e recebeu um comprovante com o carimbo do Exército, confirmando a detenção.
A esposa de Paiva, Eunice, também foi detida, assim como sua filha Eliana, de 15 anos, que foi liberada um dia depois. Eunice foi mantida incomunicável por doze dias e submetida a intensos interrogatórios, enquanto Rubens Paiva foi transferido para o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), uma das unidades de repressão mais temidas da época, onde foi brutalmente torturado até a morte. A versão oficial, amplamente contestada, alegava que ele havia sido sequestrado e morto por desconhecidos, dois dias após sua prisão.
Só em 2014, após mais de 40 anos de silêncio, a verdade começou a emergir. O coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, confirmou que Paiva foi torturado até a morte e que seu corpo foi jogado em um rio na região serrana do Rio de Janeiro. O coronel Reynaldo Campos também prestou depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), detalhando como o Exército simulou uma fuga de Paiva para encobrir o assassinato. Apesar da ação judicial contra cinco militares envolvidos, o processo foi paralisado em setembro de 2014 por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).
A luta por justiça pela morte de Rubens Paiva continuou com o apoio incansável de sua família, especialmente de seu filho Marcelo, que em 2014 expressou sua indignação com as mentiras sobre a participação de seu pai na luta armada. Marcelo lembrou publicamente, em um desabafo, como o ex-presidente Jair Bolsonaro havia cuspido no busto de Rubens Paiva e espalhado falsidades sobre sua suposta participação em atividades armadas, distorcendo completamente sua figura.
Além da luta de seu filho, a trajetória de resistência de Rubens Paiva se entrelaçou com a de sua esposa Eunice Paiva, que, após sofrer com a tortura e a repressão, tornou-se uma incansável defensora da memória e da justiça. Eunice não só resistiu à violência do regime, como também, ao longo dos anos, se dedicou à preservação da história de seu marido, exigindo a reparação dos danos causados pela ditadura. Sua persistência em buscar a verdade, muitas vezes enfrentando obstáculos legais e políticos, fez dela uma figura central na luta por justiça para as vítimas da repressão militar, mantendo viva a memória do sacrifício de Rubens Paiva e de tantos outros militantes.
A luta de Eunice Paiva
Eunice Paiva foi uma figura emblemática na luta pela verdade e justiça sobre os crimes cometidos pela ditadura militar brasileira, especialmente no que diz respeito ao desaparecimento de seu marido, o deputado Rubens Paiva. Ela desempenhou um papel central na busca incansável por informações sobre o paradeiro de Rubens, que foi preso, torturado e assassinado nos porões do DOI-CODI no Rio de Janeiro em janeiro de 1971.
Na mesma ocasião da prisão de seu marido, Eunice foi detida junto com sua filha Eliana, então com 15 anos. Enquanto Eliana permaneceu presa por 24 horas, Eunice foi mantida incomunicável por 12 dias, sendo submetida a intensos interrogatórios. Após sua libertação, Eunice passou a exigir a verdade sobre o destino de Rubens. Quando finalmente soube que ele havia sido assassinado, começou sua luta pela revelação do local de seu sepultamento, algo que nunca conseguiu descobrir, o que impossibilitou as honrarias fúnebres que tanto almejava prestar ao marido.
Eunice nasceu no bairro do Brás, em São Paulo, em uma família de origem italiana. Desde muito jovem, cultivou o gosto pela leitura e, aos 18 anos, foi aprovada em primeiro lugar no vestibular de Letras na Universidade Mackenzie. Na faculdade, fez amizades com grandes escritores, como Lygia Fagundes Telles, Antonio Callado e Haroldo de Campos. Sua inteligência e determinação a levaram a brigar com o pai pelo direito de estudar, algo que demonstrava sua força e independência.
Após a morte de Rubens, em 1973, Eunice decidiu dar continuidade aos seus estudos e ingressou na faculdade de Direito, conciliando a vida de mãe de cinco filhos com a rotina acadêmica. Formou-se advogada, respeitada por sua competência e engajamento em causas sociais e políticas. Ao longo de sua carreira, Eunice se destacou na defesa dos direitos indígenas e combateu a política indigenista do regime militar até o fim da ditadura. Ela se tornou uma das maiores especialistas em direito indígena do país.
Em 1987, Eunice fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), uma ONG que atuou até 2001 em defesa da autonomia dos povos indígenas. No mesmo período, em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira. Eunice também foi uma das principais forças que pressionaram pela promulgação da Lei 9.140/95, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas devido à sua participação em atividades políticas durante a ditadura.
Após 25 anos de luta pela memória, verdade e justiça, Eunice obteve, em 1996, uma grande vitória: o Estado brasileiro emitiu oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva. Essa conquista foi um marco para a família e para todos que militavam em defesa dos direitos humanos, simbolizando o reconhecimento da tragédia vivida por tantas famílias de desaparecidos políticos.
Eunice Paiva faleceu aos 86 anos, em 13 de dezembro de 2018, em São Paulo, depois de viver 14 anos convivendo com a doença de Alzheimer. Sua vida foi um exemplo de resistência, coragem e compromisso com a verdade, deixando um legado fundamental na luta pela justiça e pelos direitos humanos no Brasil. Sua trajetória é um testemunho de como uma mulher, marcada pela dor da perda, pode se tornar uma voz poderosa na busca pela reparação e pela memória de um período doloroso da história do país.
Ao lado de figuras históricas como Zuzu Angel, Crimeia de Almeida e Inês Etienne Romeu, Eunice Paiva permanece como um símbolo de resistência. Marcelo Rubens Paiva e sua obra tornam-se fundamentais para que a sociedade brasileira, especialmente os jovens, mantenham viva a história, compreendam os horrores do passado e reconheçam a importância de lutar por um futuro em que liberdade e justiça prevaleçam.
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