A recente prisão de MC Poze do Rodo, ocorrida em 29 de maio de 2025, reacendeu o debate sobre a influência da “narcocultura” nas favelas do Rio de Janeiro. O artista é acusado de apologia ao crime e associação ao tráfico de drogas, com a Polícia Civil alegando que suas músicas e apresentações promovem a ideologia do Comando Vermelho (CV), uma das principais facções criminosas do estado.
MC Poze, nascido na Favela do Rodo, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, ganhou notoriedade no cenário do funk carioca com letras que retratam a realidade das comunidades periféricas. No entanto, autoridades afirmam que suas composições vão além da descrição do cotidiano, exaltando práticas criminosas e glorificando o CV. Segundo o secretário da Polícia Civil, delegado Felipe Curi, as músicas do artista funcionam como “instrumento de dominação, divulgação e disseminação da ideologia e da narcocultura do Comando Vermelho” .
A defesa de MC Poze do Rodo nega as acusações, afirmando que o artista é alvo de perseguição e que sua prisão representa uma criminalização da arte periférica. Em comunicado, a equipe do cantor declarou: “Poze é um artista que venceu na vida através de sua música. Muitos músicos, atores e diretores têm peças artísticas que fazem relatos de situações que seriam crimes, mas nunca são processados, porque se tratam justamente de obras de ficção”.
Como o Comando Vermelho (CV) constrói uma narcocultura nas favelas do Rio de Janeiro
A atuação do Comando Vermelho (CV) nas favelas do Rio de Janeiro vai além do tráfico de drogas. A facção constrói uma narcocultura que exerce forte influência simbólica sobre a vida e a identidade nas comunidades. Essa dominação cultural se expressa especialmente por meio do funk proibidão, de influenciadores digitais e de eventos financiados pelo tráfico.
O funk proibidão surgiu na década de 1990 e se caracteriza por letras que glorificam facções criminosas, exaltam o uso de drogas e armas, e desafiam o poder policial. Essas músicas são executadas em bailes funk organizados em territórios controlados pelo CV. Os eventos funcionam como plataformas de propaganda e recrutamento, reforçando o poder da facção e atraindo jovens com promessas de status e reconhecimento.
Além disso, artistas e influenciadores atuam como vetores da ideologia do tráfico. Por meio das redes sociais, promovem o estilo de vida criminoso com imagens de ostentação e festas, criando uma narrativa sedutora sobre a vida no crime. Shows e eventos culturais financiados pelo tráfico ajudam a lavar dinheiro e consolidar o domínio simbólico da facção.
Essa presença cultural afeta diretamente a construção da identidade coletiva nas favelas. A figura do “traficante bem-sucedido” passa a ser vista como um modelo de ascensão social, influenciando as escolhas de muitos jovens. A narcocultura, assim, oferece uma visão paralela de poder e justiça, desafiando o papel do Estado dentro dessas comunidades.
No entanto, essa realidade também levanta um debate delicado. Muitos questionam até que ponto a repressão cultural pode coibir o crime sem criminalizar manifestações periféricas. Autoridades defendem ações contra esse tipo de conteúdo, enquanto especialistas alertam que o foco exclusivo na repressão pode aprofundar a exclusão social, sem atacar as raízes estruturais da violência.
Compreender a complexidade da narcocultura é essencial para formular políticas públicas que unam segurança, educação e inclusão social. Combater o tráfico requer mais do que ações policiais — exige ocupar os territórios com cultura, dignidade e oportunidade.
Debate sobre Liberdade de Expressão
A prisão de MC Poze gerou discussões sobre os limites entre liberdade de expressão artística e apologia ao crime. Enquanto as autoridades sustentam que as manifestações do artista extrapolam a legalidade, incitando práticas criminosas, críticos argumentam que suas músicas refletem a realidade das favelas e que a criminalização do funk representa uma forma de censura e discriminação cultural.
Especialistas em direito penal destacam que, embora a Constituição Federal assegure a liberdade de expressão, esse direito não é absoluto. Manifestações que incitem ou enalteçam práticas criminosas podem ser responsabilizadas penalmente. No entanto, há debates sobre a aplicação do artigo 287 do Código Penal, que trata da apologia ao crime, especialmente quando se trata de obras artísticas.
O caso de MC Poze do Rodo evidencia a complexa relação entre cultura, criminalidade e liberdade de expressão nas favelas do Rio de Janeiro. Enquanto as autoridades buscam combater a promoção de práticas criminosas através da música, é fundamental considerar as nuances dessa questão, garantindo que medidas de segurança pública não resultem na marginalização de manifestações culturais legítimas e na criminalização de artistas que retratam a realidade de suas comunidades.
Mais notícias
O terrorismo à brasileira tem a religião evangélica como sua representante
| Projeto Comunicando ComCausa
| Portal C3 | Instagram C3 Oficial
______________

Compartilhe: